Modelo de inconsciente - Jung e o Espiritismo
Psicologia

Modelo de inconsciente - Jung e o Espiritismo




Dr. Marco Antônio Palmieri, AME-SP

(Folha Espírita, janeiro 2008)
Marco Antonio Palmieri, médico endocrinologista e homeopata, com formação em Psicologia junguiana, considera Carl Jung um indivíduo fantástico, que se interessou pelos aspectos emocionais das doenças mentais numa época em que muito pouco se conhecia a respeito. “Os doentes mentais eram mais estudados por neurologistas do que psiquiatras, eram praticamente excluídos da Medicina! Jung foi um dos que começaram a dar atenção maior ao estudo de fenômenos que aconteciam com pacientes mentais”, revela.
Parceiro de Sigmund Freud no estudo do inconsciente, Jung seguiu caminhos diferentes do colega, o que os levou a romperem em 1912. Freud colocava a energia psíquica como sendo de teor absolutamente sexual. Para ele, todas as alterações que aconteciam na doença mental tinham representatividade libidinosa. Jung entendia que a energia sexual era extremamente importante, mas que outras formas de energias permeavam as doenças mentais.
Jung percorreu um caminho diferente de Freud por conta da sua biografia. Criado por uma mãe espírita, era médium. “Ele escreveu um livro, Memórias, Sonhos e Reflexões, em que encontramos toda fenomenologia mediúnica vivenciada por ele: clariaudiência, clarividência, fenômenos de incorporação, experiências de quase-morte. Sua tese de doutorado foi feita às custas de estudos realizados durante oito anos com uma sobrinha médium, que freqüentava sessões mediúnicas. Infelizmente, ele fez o estudo única e exclusivamente do ponto de vista psicológico e nunca se colocou frontalmente a favor do espírito ou Espiritismo”, explica Palmieri.
Toda a fenomenologia é encontrada em cartas escritas a amigos. “Ele diz, claramente, que o espírito poderia explicar muito melhor situações que o inconsciente não explica. Mas em suas obras formais você não vê essa postura”, afirma.
Folha Espírita – Qual seria o modelo do inconsciente de Jung?
Marco Antonio Palmieri – Para Jung a personalidade como um todo é denominada psique. A psique abrange todos os pensamentos, sentimentos e comportamentos, tanto os conscientes quanto os inconscientes. A psique compõe-se de numerosos sistemas e níveis diversificados, porém interatuantes. Podem-se distinguir três níveis na psique. São eles a consciência, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. A consciência é a única parte da mente conhecida diretamente pelo indivíduo, tendo o “ego” como seu centro de organização.
As experiências que não obtêm a aceitação do ego não desaparecem da psique, mas ficam armazenadas no que Jung denominou inconsciente pessoal. A mente herda as características que determinam de que maneira uma pessoa reagirá às experiências da vida, chegando até a determinar que tipos de experiência terá. A mente do homem é prefigurada pela evolução. Dessa maneira, o indivíduo está preso ao passado, não somente ao passado de sua infância, mas também, o que é ainda mais importante, ao passado da espécie, e, antes disso, à longa cadeia da evolução orgânica. Aí temos o inconsciente coletivo.
FE – Onde Jung coloca essas informações?
Palmieri – Nas “Obras Completas” de Jung encontramos referências à espiritualidade com muita freqüência. Em cartas escritas a amigos e colaboradores igualmente Jung muitas vezes coloca sua posição com relação à espiritualidade e aos espíritos.
FE – Quando falamos do modelo do Jung, podemos dizer que o espírito foi contemplado?
Palmieri – Jung sempre fez questão de descrever o que encontrava em suas vivências e em suas experiências. Ele freqüentou reuniões mediúnicas durante muitos anos e por diversos motivos. Encontramos, sim, referências a situações espirituais e mediúnicas em sua obra. Em Memórias, Sonhos e Reflexões verificamos detalhadamente situações espirituais e mediúnicas vividas por ele mesmo. No entanto, a Psicologia Analítica como um todo não contempla o espírito. Nós, os espíritas que procuramos trabalhar com Psicologia, fazemos associações e aproximações com certa facilidade.
FE – Além de trabalhar com conceito psicológico, o espírita tem uma porta a mais, certo?
Palmieri – Acho que, ao colocarmos os conceitos espíritas, a vivência espírita junto aos conceitos psicológicos, mormente junto à Psicologia Analítica, abre-se um entendimento maior e melhor da sintomatologia mental. Nesse sentido, o espírita tem uma porta a mais.
FE – Jung poderia ter se posicionado mais afirmativamente quanto ao espírito, à comunicação espiritual e à reencarnação, tendo em vista que freqüentou as sessões com a sobrinha e teve uma EQM?
Palmieri – Acho que sim. Há uma carta que ele escreve a um psicanalista alemão na qual afirma que esteve discutindo um caso com outro psicanalista em que crê que somente o inconsciente não explicaria o caso. Afirma concordar que precisaria colocar a presença do espírito naquele caso. Mas essa carta não foi publicada. Falar de Espiritismo naquela época era difícil até para Kardec. Ele poderia passar por louco, ridículo. Ele até fez isso mais para frente, nos seus 70 anos, em muitas conversas, cartas, quando ditou sua biografia. Jung fala dos aspectos espirituais e sobre quanto isso foi importante na Psicologia Analítica.
Memórias, Sonhos e Reflexões, a vida dele, foi escrito quando tinha 80 anos. Ele morreu dois anos depois. No final de sua vida, Jung teve coragem de colocar a espiritualidade como uma coisa importante no desenvolvimento da Psicologia. Conta todas as experiências mediúnicas que teve. Saía no jardim da casa em que morava e conversava com uma entidade com freqüência. Esse fato originou a obra Sete Sermões aos Mortos, que é um livro mediúnico. As evidências do mundo espiritual na vida de Jung são fantásticas.
FE – Você poderia resumir esse modelo de Jung e dizer se ele é utilizado como base de diagnósticos de desequilíbrios espirituais?
Palmieri – No modelo junguiano, têm-se a consciência, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo. A consciência é regida por um complexo chamado “ego”, um portal que permite que as coisas se tornem ou não conscientes. O ego é altamente seletivo. Ele permite que o material entre na consciência. Vivências não aceitas pelo ego são armazenadas no inconsciente pessoal. No inconsciente pessoal encontramos os complexos.
O complexo, na verdade, é um agrupamento de experiências, que têm o mesmo teor emocional. Essas experiências, apesar de inconscientes, exercem grande influência sobre vivências atuais. Os espíritas entendem que os complexos são formados na presente encarnação, no entanto existe a possibilidade de armazenarmos complexos de existências passadas. Em obsessão vemos muito isso. Às vezes são complexos de culpa desenvolvidos em existências passadas e é por isso que o obsessor tem acesso ao nosso consciente. Por que esse complexo realmente existe. Não basta ir apenas a uma sessão espírita para afastar o obsessor. É preciso entrar em contato com o inconsciente, buscar a origem dos complexos e, aí sim, resolver.
FE – É preciso, então, buscar um psicanalista?
Palmieri – A busca de um profissional sempre vai ajudar na elucidação e compreensão dos diversos complexos. Se o profissional trabalha junto da religiosidade ou da espiritualidade, tanto melhor.
FE – Então, além da consciência e do inconsciente pessoal, temos o inconsciente coletivo?
Palmieri – Sim, o inconsciente coletivo é um reservatório de imagens latentes, em geral denominadas de “imagens primordiais”. O homem herda tais imagens do passado ancestral, passado que inclui todos os antecessores humanos, bem como os antecessores pré-humanos ou animais. Essas imagens étnicas não são herdadas no sentido de uma pessoa lembrar-se delas conscientemente, ou de ter visões como as dos antepassados. São predisposições ou potencialidades no experimentar e no responder ao mundo tal como os antepassados.
Consideremos, por exemplo, o medo que temos das serpentes ou do escuro. Não nos foi preciso aprender esses medos através de experiências com serpentes ou com a escuridão. Herdamos as predisposições de temer as serpentes e a escuridão porque nossos ancestrais experimentaram tais medos ao longo de um sem-número de gerações. Esses medos nos ficaram gravados no cérebro. Será que nós, os espíritas, não podemos ver no inconsciente coletivo o aspecto reencarnatório?
FE – E as obsessões?
Palmieri – O fenômeno obsessivo tem sido largamente estudado. Nas bases desse fenômeno encontramos complexos (muitas vezes os complexos de culpa) originados na presente existência e outras vezes herdados de existências anteriores. Acredito que a Psicologia Analítica tem muito a acrescentar no entendimento do processo obsessivo.
Experiências de Jung com os espíritos
1897 – Universidade de Basel – Conferência sobre ocultismo e parapsicologia.
1898 – Começou a participar de reuniões espíritas com familiares. Contato com Helene Preiswick – Tese de doutorado: “Acerca da psicologia e patologia dos chamados fenômenos ocultos”.
1912 a 1917 – Crises espirituais – Conhece figuras como Elijah, Salome, Philemon e Ka (considera-as personificações do inconsciente coletivo).
1919 – Sociedade Britânica para a Investigação Psíquica – Conferência: A base psicológica da crença nos espíritos.
1965 – Eventos estranhos na casa – Presença de seres espirituais. Escreve Sete Sermões aos Mortos.
1946 – Carta a Dr. Kunken (psicoterapeuta alemão): “Hoje discuti a respeito da prova de identidade dos espíritos com um amigo de William James, o professor Hyslop. Ele admitiu que esses fenômenos metafísicos poderiam ser melhor explicados pela hipótese dos espíritos que pelas qualidades e peculiaridades do inconsciente. Com base na minha própria experiência, tenho de reconhecer que ele está correto. Em cada caso individual devo ser imparcial, mas tenho de admitir que a hipótese dos espíritos oferece melhores resultados que qualquer outra”.
Na mesma carta, Jung comenta sobre um livro escrito por Steward White. Esse livro é uma coleção de mensagens que o autor recebeu do espírito de sua esposa Betty através de um médium. Após considerar a hipótese de que Betty era a anima do autor, Jung concluiu o seguinte: “Betty se comporta como uma mulher real e não como anima. Isso parece indicar que Betty é ela mesma em vez de anima.
É possível que, com a ajuda de tais critérios, poderemos algum dia ter êxito em estabelecer, ao menos indiretamente, se é um assunto de anima ou é um espírito. Em relação à Betty estou inclinado a assumir que ela é mais provavelmente um espírito que um arquétipo, ainda que pudesse representar ambos ao mesmo tempo. Parece-me que os espíritos tendem a misturar-se com os arquétipos.”



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