Sobre Seleção de Pessoal
Psicologia

Sobre Seleção de Pessoal




Na Superinteressante deste mês (Edição 268 – Agosto/2009) foi publicada uma reportagem polêmica, intitulada “Manual secreto do RH: Quais são, e como funcionam, os testes psicológicos usados nas entrevistas de emprego”. Logo no início da reportagem, o jornalista Bruno Garattoni afirma que “hoje, 89 das 100 maiores empresas do mundo usam algum tipo de teste de personalidade para selecionar seus funcionários. Os métodos vão dos mais bobinhos, como a grafologia, aos mais sofisticados, como os testes projetivos. Não há qualquer comprovação científica de que eles funcionem”.


A partir daí a reportagem traça um breve histórico da seleção de pessoal, desde a publicação em 1913, por Hugo Munsterberg, do livro “Psicologia e eficiência industrial” (em que, segundo a revista, ele propunha “vários métodos para medir as ‘funções mentais’ dos trabalhadores (...) para saber se o candidato é esperto e atento, por exemplo”) até os dias atuais, onde os testes psicológicos são cada vez mais utilizados pelas empresas em suas seleções. De acordo com a reportagem, o teste mais comum (nos Estados Unidos? No Brasil?) é o Myers-Briggs:
“Inventado na década de 80, [o teste] consiste em dezenas de perguntas de múltipla escolha, que tenta enquadrar a pessoas em 16 tipos de personalidade (...) Dependendo do tipo em que você se encaixa, terá maior ou menor afinidade com certa empresa ou profissão. Personalidade ENFP (‘extroversão, intuição, sentimento e percepção’), por exemplo, sobressaem empresas do setor alimentício. Absurso? Provavelmente é absurdo ou apenas incorreto – pois Myers-Briggs tem margem de erro altíssima. Em 53% dos casos, o teste dá resultado diferente se for aplicado uma segunda vez. Até o período do dia em que é feito, de manhã ou de tarde, já é suficiente para mudar o tipo de personalidade do candidato”.

Sobre o famoso e ainda bastante utilizado Rorschach a revista afirma o seguinte:
“Em busca de resultados mais precisos, os especialistas em RH começaram a apelar para instrumentos mais complexos – e pegar emprestadas algumas ferramentas da psicologia [a Superinteressante sempre comete o erro de confundir psicologia com psicanálise, como se a segunda abarcasse a primeira e toda psicologia fosse psicanálise]. Como o teste Rorschach, inventado na década de 20 pelo psiquiatra suíço Hermann Rorschach. Ele é formado por 10 borrões de tinta, cujo significado a pessoa deve interpretar. Os desenhos são propositalmente ambíguos para que a pessoa, sem saber projete neles os elementos da sua personalidade. Por isso, o Rorschach (e suas variações mais simples, como o teste Zulliger), é chamado de teste projetivo. E ele promete ir fundo. ‘Os instrumentos projetivos usam o inconsciente como referência”, explica a psicóloga Maria Cristibaa Pellini, especialista no Rorschach. O psicólogo avalia as respostas dadas pelo candidato e atribui pontos a cada uma delas. Mais de 100 variáveis são combinadas para chegar ao resultado final. É uma análise extremamente complexa e subjetiva. E aí está o grande problema. Uma análise feita pela Universidade do Texas revelou que 50% dos índices usados no Rorschach não são constantes, ou seja, dão resultados diferentes com psicólogos diferentes – o que distorce totalmente o resultado final. Para evitar que os candidatos dêem respostas premeditadas, tanto o Rorschach quanto o Zullinger são mantidos em segredo. Em tese, só psicólogos pode ter acesso a seus desenhos (como o que reproduzimos nesta reportagem) [ou seja, a Superinteressante está confessando um “crime”: num infográfico na página 78 ela exibe alguns borrões e explica o que algumas respostas a eles significam, exatamente o que o “segredo” pretendia evitar...]

E a revista finaliza:
“Ainda não existe um método que seja totalmente científico, e totalmente infalível, para julgar candidatos a um emprego. É uma pena. Mas, se na sua próxima o RH adotar critérios que pareçam estapafúrdios, pelo menos você já sabe o que fazer. Diga o que eles querem ouvir”. [Essa doeu!]
Aparte alguns erros e gigantescas omissões (em especial da fonte dos dados citados), além do oportunismo e da superficialidade da reportagem (3 páginas apenas com muitos infográficos tolos), o jornalista acertou. Os psicólogos não têm um conhecimento efetivamente científico ou minimamente sólido para saírem por aí selecionando pessoas (e, por favor, não espalhem isso, pois a maioria das pessoas ainda acha que somos cientistas da mente e que sabemos mais sobre elas do que elas mesmas... precisamos manter as aparências e a aura de mistério em torno da nossa profissão, não? Senão quem confiará em nós e em nossas “super-técnicas ultra-científicas”?). E eu falo isso enquanto um psicólogo que já participou de algumas seleções (enquanto estudante na empresa junior e, posteriormente, enquanto profissional), mas que atualmente não trabalha mais com isso, por razões ideológicas – vez por outra sou chamado para participar seleções e sempre recuso (tem coisas que o dinheiro nunca vai poder comprar: minha consciência é uma delas). Não acho justo nem ético, com o conhecimento cambaleante acumulado pela psicologia (e raquiticamente difundido por nossas faculdades), dizer quem entra e quem não entra em determinada empresa, ou pior, quem vai trabalhar e quem vai continuar desempregado. Sinceramente, os psicólogos (e eu me incluo nesta) podem achar que sabem alguma coisa – afinal, quem vive sem uma dose de auto-engano? – mas não sabem nada. Ok, podem a até saber alguma coisa, mas utilizar esse conhecimento ralo para selecionar pessoas é no mínimo anti-ético – e no máximo cruel.
Obviamente muitos não vão concordar comigo (principalmente aqueles que têm como ganha-pão a seleção de pessoal) e eu posso estar totalmente equivocado, mas é o que penso hoje. Certamente as seleções de pessoal vão continuar existindo e os psicólogos vão continuar participando delas (e, também, como se diz do traficante de drogas, se ele não fizer o trabalho sujo alguém vai fazer no seu lugar), mas eu quero continuar acreditando numa psicologia que vá além do ajustamento de pessoas. Que vá além da busca do “homem certo no lugar certo”. Uma psicologia que, de alguma forma, liberte! Não sei se isto é possível e talvez todos sejamos ajustadores (no sentido empregado por Hilton Japiassu de “mudar o indivíduo para não mudar a ordem social”), mas se alguma área na psicologia está diretamente ligada a isso, certamente é a Psicologia Organizacional. Nela ficam claros todos os grandes erros e exageros da psicologia enquanto atividade prática de ajustamento e alienação...
Junte tudo isso com técnicas projetivas, de inspiração psicanalítica, e temos um gigantesco problema. Na minha opinião, um dos grandes erros da psicologia e dos psicólogos de hoje e de ontem é o que chamo de interpretose, isto é, o excesso de interpretação do mundo e das pessoas. Como bem aponta a revista, interpretação é sempre um processo subjetivo e nada científico. Não que a psicologia seja ou queira ser ciência (muito menos a psicanálise), mas acreditar que a interpretação de um teste como o Roschach é um processo objetivo e julgar uma pessoa com base nisso me parece muito complicado. Na clínica pode até trazer benefícios (ou não trazer malefícios), mas numa seleção de pessoal o buraco é mais embaixo. O que está em jogo é a subsistência de pessoas, muitas vezes desesperadas por um emprego. Esquecer disso é esquecer de algo fundamental.
Exatamente por isto é que, já há bastante tempo e cada vez mais, o teste psicológico é utilizado como mais um instrumento dentro de um amplo processo que envolve entrevistas, dinâmicas de grupo, provas de conhecimento e até os chamados processos trainee (dentre muitos outros), de forma que, se avaliar e selecionar pessoas é realmente necessário ao capitalismo, que isso seja feito da forma mais completa e honesta possível. O problema é que, de qualquer forma, o processo de seleção de pessoal está sempre sujeito a interpretações subjetivas comprometedoras e – o que é pior - muitos profissionais não se dão conta disso. Acham que estão sendo cientistas-objetivos-imparciais quando, de fato, não estão... não percebem, como diz Ana Bock, que o que fazem não é psicologia, mas pura ideologia...
OBS: De acordo com pesquisa realizada em 2004 (e publicada em 2005) com 15 profissionais que trabalhavam com seleção de pessoal, as técnicas mais utilizadas por eles foram as seguintes:


Já os testes psicológicos mais utilizados foram os seguintes:




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