Você já tentou... pensar? Não, não se ofenda. É claro que você pensa, e às vezes até em aspectos filosóficos da vida. Mas será que você pensa certo no que se refere às suas formas? Ou melhor, será que você não está "pensando gordo" em vez de "pensar magro"? Pensar magro (vamos abolir as aspas como um excesso adiposo) significa, basicamente, reprogramar seu cérebro para que ele passe a dominar a fome ou a simples gulodice até o ponto em que você possa ignorar um prato de coxinhas da mesma maneira que despreza aquele ex-amigo fofoqueiro. Reprogramar o cérebro não implica tomar choques elétricos ou aderir ao zen-budismo. Requer enfrentar frituras, salgadinhos, doces e refrigerantes sem subterfúgios – e, espera-se, com alguma altivez. Nada de tentar cancelar-lhes a existência, porque, afinal de contas, o mundo não é um spa. A resistência mental definitiva é o que prega a terapia cognitivo-comportamental (TCC), hoje considerada o tratamento de primeira linha contra o excesso de peso. "Quanto mais resistirmos aos desejos de comida, menos freqüentes eles se tornarão", disse a VEJA a psicóloga americana Judith Beck, autora do livro Pense Magro – A Dieta Definitiva de Beck, recém-lançado no Brasil pela editora Artmed.
O objetivo da TCC é, por meio da combinação de confronto e resistência, "desligar" os comandos cerebrais que acionam os pensamentos distorcidos – no caso, aqueles que levam as pessoas a empanturrar-se. De fato, na maioria das vezes, as pessoas que pensam gordo o fazem por causa de uma associação meramente subjetiva entre comida e determinados sentimentos. Há as que comem porque estão felizes e as que comem porque estão infelizes (ou ambos). Existem as que se empanzinam porque estão numa festa e vêem os outros comendo e as que se empacham porque estão completamente sozinhas (ou ambos)... Desconectar apetite e situação, eis a chave da terapia cognitivo-comportamental. O programa proposto por Judith Beck estabelece seis semanas – mais precisamente 42 dias – de exercÃcios práticos para desprogramar o cérebro da vontade injustificável de comer. Você confunde fome com gula? Um dos exercÃcios ajuda o pensador gordo a diferenciar uma da outra. Você mal acaba o almoço e já imagina como será o jantar? Judith ensina a fazer como os magros – que só pensam em comida no horário da refeição.
Judith é filha do psiquiatra Aaron Beck, fundador, nos anos 60, da terapia cognitivo-comportamental. Na visão dos adeptos desse método, grande parte dos distúrbios psÃquicos, como a depressão, a ansiedade e as fobias, deve-se a interpretações errôneas do mundo concreto. Assim, o substrato da TCC é a exposição da pessoa à realidade que a afeta, de modo a levá-la a reagir proporcionalmente a ela. Em geral, o prazo é de vinte sessões. No tratamento de fobias, por exemplo, confronta-se o paciente com o objeto de seu medo exagerado. Se a fobia é de cachorro, o fóbico "desaprende" a temer o animal entrando em contato direto com ele. Judith sugere que o compulsivo por comida a enfrente como quem se expõe ao pavor por cachorro. As bases da terapia cognitivo-comportamental, cujas taxas de sucesso são bastante altas (veja quadro nas páginas 156 e 157), remontam à s teorias do médico russo Ivan Pavlov (1849-1936) e à s do psicólogo americano Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), precursores do behaviorismo. Pavlov formulou a tese do reflexo condicionado, segundo a qual a repetição constante de um estÃmulo "ensina" o sistema nervoso a responder invariavelmente da mesma forma. Sua teoria foi elaborada a partir de estudos com cães que eram alimentados depois que ele tocava um sino. Com o tempo, Pavlov constatou que bastava tocar o sino para que os animais salivassem. Skinner, por sua vez, chegou ao conceito de condicionamento operante, por meio de experiências com ratos de laboratório. Quando os roedores apertavam um botão, uma portinhola com comida se abria. Os ratos, por fim, aprenderam que, para comer, era preciso pressionar o botão. A diferença entre o reflexo condicionado de Pavlov e o condicionamento operante de Skinner é que o primeiro é uma resposta a um estÃmulo puramente externo (o sino toca, o cachorro saliva), ao passo que o segundo é o hábito produzido por uma ação estranha à natureza do animal (o rato que aperta botão para comer). Na terapia cognitivo-comportamental, para simplificar, o sino e a portinhola seriam os estÃmulos (ou desestÃmulos) que contrariam a tendência doentia – sejam eles o confronto calculado do fóbico com o objeto do medo ou o auto-elogio de quem resiste a uma refeição gordurosa.
Por ser um programa de treinamento psicológico, o livro Pense Magro é um manual sobre dieta sem nenhuma receita alimentar. Sua autora não recomenda nem condena nenhum alimento. Ela preconiza que, com uma programação mental adequada, qualquer dieta razoável dá certo – permanentemente. A psicóloga começou a utilizar o método para o controle de peso há vinte anos, em pacientes psiquiátricos que engordavam por causa dos efeitos colaterais de medicamentos. Embora a ansiedade integre a personalidade de quase todos os gulosos, a terapia cognitivo-comportamental, ao contrário da psicanálise, não sai em busca dos motivos que levam uma pessoa a afogar as mágoas numa travessa de espaguete. Simplesmente ensina como anular os pensamentos engordativos. "Eu era do tipo que sempre fazia uma pausa para beliscar. Tudo era motivo para parar o que eu estava fazendo e ir atrás de um lanchinho", conta a carioca Ialda Costa de Farias. Há cerca de quatro anos, ela mudou a sua relação com a comida. Por meio da TCC, conseguiu regular suas escolhas, antes marcadas pela compulsão. Agora, sua palavra de ordem é planejamento. Ela sabe exatamente o que e quanto vai comer ao longo do dia e, obedecendo aos ditames da terapia, anota minuciosamente todas as suas refeições, inclusive as escapadelas. Perdeu 31 quilos desde então e não os incorporou mais. "Só de saber que terá de anotar os erros e os excessos alimentares cometidos, a pessoa já pensa duas vezes antes de comer exageradamente", diz o endocrinologista Walmir Coutinho, vice-presidente da Associação Internacional para o Estudo da Obesidade.
Judith mantém há dez anos o mesmo peso – 52,5 quilos distribuÃdos em 1,61 metro – graças, ela jura, à terapia cognitivo-comportamental. Ex-cheinha (pesava 8 quilos a mais), agora pensa magro. E reafirma que ninguém se mantém enxuto sem algum sacrifÃcio dietético. Ainda não há estudos sobre as alterações na quÃmica cerebral de quem usa a TCC para emagrecer, como ocorre em relação aos pacientes de depressão que recorrem à terapia. Mas as pesquisas clÃnicas são animadoras. A mais célebre foi conduzida por pesquisadores suecos, com dois grupos – em dez semanas, aquele que se submeteu à terapia perdeu 8 quilos, em média. Passados dezoito meses, 92% dos seus participantes haviam emagrecido ainda mais. Já o grupo de controle, que só fez dieta, voltou a engordar depois de um ano e meio.
Driblar a compulsão por comida é tarefa das mais difÃceis. Para se ter uma idéia do seu grau de complexidade, a linha mais recente de pesquisas sobre os mecanismos da obesidade a compara ao vÃcio, por envolver o sistema cerebral de recompensa. "Em obesos, o metabolismo cerebral é muito semelhante ao dos viciados em drogas", diz Ivan de Araújo, neurofisiologista e pesquisador da Escola de Medicina da Universidade Yale, nos Estados Unidos. No cérebro dos gordos, por uma deficiência na atividade do neurotransmissor dopamina, o grau de recompensa gerado pela ingestão de alimentos é menor que no dos magros. Para se sentirem satisfeitos, portanto, eles precisam comer mais. É provável que novos estudos mostrem que o recondicionamento para pensar magro transforma a quÃmica cerebral. Não há nada de mágico nisso – errou quem fez associações entre o livro de Judith e O Segredo, da australiana Rhonda Byrne, a auto-ajuda que requenta a lengalenga de que o "pensamento positivo" opera milagres. Pensar magro demanda empenho e disciplina. Envolve cultivar melhor as emoções e adquirir novos comportamentos. A perda de peso não é da noite para o dia. Em situações mais difÃceis, para prevenir as recaÃdas, seguir o manual não é suficiente. Torna-se necessário recorrer a um especialista. "Na luta contra o excesso de peso, não existe bala de prata", diz Mônica Duchesne, terapeuta cognitivo-comportamental e coordenadora do grupo de obesidade e transtornos alimentares da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Existe trabalho. Vá à luta.