Psicologia
O pensamento empreendedor no ensino superior
*Este texto foge um pouco à proposta do blog (psicologia cientÃfica) pois refere-se a outro tema de reflexão: o papel do professor no ensino superior. Julguei interessante postar estes pensamentos aqui porque essas discussões devem ser colocadas, pois dizem respeito diretamente à qualidade dos profissionais que teremos no futuro.
Pensar a educação superior de uma forma estratégica é um desafio e exige uma mudança de mentalidade. Tradicionalmente a universidade é considerada ainda por muitos setores, e também por ela mesma em grande medida, como uma agência elitista, dissociada das necessidades fundamentais da sociedade, e cientificista, ou seja, mais preocupada com o conhecimento em si do que propriamente a aplicação deste conhecimento na sociedade.
Este cenário tem raÃzes históricas, visto que a universidade sempre foi direcionada para as elites; podemos dizer que ela também teve por objetivo a educação para a conquista e o domÃnio de uns sobre outros. Era desejável portanto que houvesse uma dissociação profunda entre os que dominam pelo saber e os que são explorados e dominados. Desta forma, a tendência da dinâmica universitária era a manutenção do
status quo de uma instituição ao mesmo tempo ligada mas separada da sociedade, porque isto de certa forma mantinha o poder do conhecimento aos que já o possuem.Este cenário poderia ter-se mantido indefinidamente num nÃvel confortável de estabilidade não fosse um fenômeno do capitalismo: a concorrência. O surgimento a partir dos anos 90 de novas ofertas de cursos de graduação, em diversas modalidades que não só a presencial, fez com que no Brasil muito mais pessoas tivessem a oportunidade para ingressar nas faculdades e ter uma profissão.
Obviamente esse aumento de oferta não significou um aumento de qualidade. Muitas vezes o efeito observado foi o oposto: muitos cursos, pensando na sustentabilidade financeira, se preocupam com o oferecimento de um custo baixo de mensalidade para a captação dos alunos, mas, por isso mesmo, acabam por oferecer um panorama pessimista: empregam professores com menor titulação e conhecimento, sobrecarregam-nos com muitas aulas e escasseiam oportunidades de extensão e pesquisa. A extensão usualmente existe apenas como o oferecimento de atendimento à s necessidades do público como estágio obrigatório. E no caso da pesquisa, quando existe – porque não é obrigatória para faculdades e centros de ensino – é extremamente fragmentada, baseada na curiosidade do pesquisador mais do que numa análise madura das necessidades sociais, de curto prazo em vista dos financiamentos governamentais ou institucionais, e cujos resultados principais visam fundamentalmente a confecção de relatórios, eventuais participações em congressos, exÃguas publicações e rarÃssimas aplicações para a mudança social efetiva.
Portanto, podemos resumir que o ensino superior está dissociado em larga medida das demandas sociais, que a oferta de serviços e produtos para a sociedade mediante ações de extensão ainda são escassas e a produção cientÃfica está mais distante ainda dos problemas da realidade. É paradoxal que agentes pensantes de uma sociedade parecem estar ainda insensÃveis a este cenário, pois se já estivessem, certamente muito mais ações teriam sido realizadas no sentido de aproximar os construtores do ensino superior das necessidades das pessoas.
Se há razões históricas para o panorama exposto acima, pensamos que também há fatores psicológicos importantes que o sustenta. A estrutura de uma instituição é, ao mesmo tempo, resultado daqueles que a fazem, tanto quanto ela (instituição) é capaz de modificar a forma de pensamento dos que nela ingressam. Uma instituição, como resultado de intenções e práticas humanas, é o produto dos objetivos desejados por um conjunto de pessoas que a constrói. Mas depois de construÃda, a instituição parece ser dotada de uma “vida própriaâ€, ela é animizada: passa a gerar, naqueles que ingressam, uma série de comportamentos e representações, pois é necessário um processo de acomodação entre a estrutura e seus novos integrantes.
Como saber como agir numa instituição? Duas podem ser as fontes para esta resposta: aquilo que fazem as pessoas que já estão lá, e a
representação criada pela sociedade de como uma determinada classe de pessoas deve se comportar. Os pares são agentes importantes de controle do comportamento numa instituição, pois transmitem e perpetuam a “tradição†mais do que as regras explÃcitas de conduta; as regras não-verbais sobre o que pode e o que não pode ser feito numa instituição são tão mais poderosas quanto não são explicitadas no próprio sistema, e contribuem para a formação da representação social desta profissão. De outro lado, a representação criada pela sociedade para determinadas classes de profissões também é um agente poderoso sobre como as pessoas deveriam se comportar dentro e fora das instituições, realimentando as regras explÃcitas e implÃcitas de conduta efetuada pelos pares.
Como instituição tradicional, o ensino superior gerou certo
status para o professor. Visto como alguém “que sabeâ€, via de regra passa a ser uma espécie de ser dotado de uma aura de conhecimento que é relativamente intocável. Esta parece ser uma representação que permeia o imaginário social, e nos perguntamos até que ponto não permeia ainda a auto-imagem do profissional. Se esta representação estava perfeitamente adequada ao “catedráticoâ€, está obsoleta em vista dos novos desafios do cenário acadêmico. Por exemplo, espera-se hoje de um professor de ensino superior que ele seja inteligente, com boa capacidade crÃtica para analisar situações, com conhecimentos satisfatórios para passar para os futuros colegas de profissão, em contÃnuo processo de revisão de seus conhecimentos, que seja capaz de construir em sala de aula uma relação minimamente satisfatória com os alunos e, principalmente, que tenha uma
mentalidade empreendedora.
É senso comum para o professor o debate destes elementos, mas, em nossa opinião, há uma escassa reflexão sobre o último item. Partimos do pressuposto de que o professor ainda mantém resquÃcios do antigo “catedráticoâ€. E mesmo que não se mantenham esses resquÃcios, mesmo que o profissional já se perceba livre dessa imagem fossilizada, ainda parece haver receio de se perceber como um
empreendedor de sua própria carreira. Pensar nisso parece para muitos uma heresia. Talvez possamos identificar uma etapa de transição de paradigmas no sentido kuhniano: já não serve mais um “esquema†antigo, mas o novo ainda não é bem compreendido.
O que se quer dizer por mentalidade empreendedora e qual sua relação com o novo papel do professor do ensino superior? Entendemos que deve haver uma integração entre as intenções do professor e o planejamento de sua carreira e as da IES de forma que
ambos os lados sejam favorecidos com os esforços mútuos. É parcial concluir que o professor trabalha muito e é parcamente reconhecido pela instituição, ou que a instituição “explora†o trabalho do professor. Pensar desta forma parece reduzir o problema a um sistema opressor-oprimido, o qual, em nossa visão, parece não ser um modelo satisfatório de análise da situação. Ter uma mentalidade empreendedora é poder perceber
oportunidades de crescimento, pessoal e institucional. É reconhecer que a sociedade tem necessidades, e que as IES através de seus professores
têm condições plenas de responder a elas. Portanto, acreditamos que mais do que pomo de discórdia, a nova visão de professor pode ser considerada por um prisma favorável: é a oportunidade de que a sociedade, as IES e o professor possuem de realmente fazer uma diferença.
Tememos que o pensamento “acadêmico†no sentido pejorativo esteja muitas vezes embotando o raciocÃnio do professor. Muitas vezes crÃticos ao pensamento capitalista, ou simplesmente por desejar uma vida “tranqüila†(resquÃcio do catedrático?), professores parecem pensar que “mentalidade empreendedora†significa aceder à concorrência selvagem entre as IES e a um sistema perverso; significa, em última análise, sucumbir. Mas outra leitura pode ser feita. O dinamismo dos desafios de hoje exige um novo pensar e um novo agir, principalmente um novo agir. Planejar e pensar a carreira são novos desafios para o professor do ensino superior, visto que historicamente isto nunca havia sido necessário. Pensar na articulação de suas ambições profissionais com as ambições da instituição é fundamental hoje, e pensamos que
pode e
deve ser feito em conjunto com a proposta institucional e com as necessidades sociais.
Pensar o trabalho do professor de uma forma empreendedora não significa considerar a educação um produto. Educação, pesquisa e extensão são
serviços, e como tais, devem ser prestados com a melhor qualidade possÃvel. Defendemos que a mentalidade empreendedora deve ser estimulada no professor, de forma que ele se torne um agente de modificações sociais tanto quanto esteja preocupado com sua carreira, mas isso não significa vulgarizar a função das IES. Significa capacitá-lo com os recursos essenciais para que possa ser, efetivamente, agente de modificação da sociedade.
Pensar estrategicamente o ensino superior, portanto, significa a necessidade de uma
mudança de mentalidade no agente estratégico, que nesse caso é o próprio professor. Significa reconhecer as necessidades sociais, mas não só isso: significa
ir atrás daquilo que a sociedade necessita de forma fundamental. Essa é a mudança fundamental de paradigma, pois significa ver o mundo acadêmico com outros olhos, com os olhos da oportunidade de crescimento profissional. Significa um desacomodar-se dos velhos hábitos, das velhas lamentações, dos velhos preconceitos, da velha universidade. Significa uma chance real de mudar.
loading...
-
Meu Artigo Foi Publicado... Yes!!!
Depois de uma longa espera, finalmente meu artigo foi publicado pela revista Psicologia: Ciência e Profissão (Volume 29, Número 4, 2009). Segundo os editores da revista, em Março estará disponÃvel no site da revista, bem como nos portais...
-
Secretaria De Educação Pernambuco - Psicólogo 2008
Questão 20. A Lei nº 9.394/96 – LDB, em seu Art. 10, prevê que os Estados, entre outras atribuições, incumbir-se-ão de A) ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de participar integralmente dos perÃodos...
-
O Ideb E Os Desafios Da Educação
Preocupantes os dados educacionais do último Ãndice de Educação da Educação Básica (IDEB). O Rio Grande do Sul apresentou uma estagnação da nota no ensino fundamental, e no ensino médio ocorreu uma diminuição do desempenho,...
-
Discurso De Formatura Da Primeira Turma De Psicologia Da Imed - 21/01/2012
Cumprimentando o professor mestre Eduardo Capellari, agradeço o espaço para estas breves palavras, e desejo cumprimentar a todos os presentes nesta cerimônia, já nomeados, e em especial aos professores, funcionários da IMED, pais e familiares...
-
Psicologia E Ciência (ou: Como Pode-se Não Gostar Da Ciência Sendo Psicólogo)
Muitos colegas psicólogos parecem ter certa aversão ao pensamento cientÃfico na psicologia. Isso é mais prejudicial do que benéfico, pois gera limitações nas possibilidades que temos para analisar o comportamento humano. E abaixo...
Psicologia