No caso, este "algo melhor" refere-se ao projeto Research Domain Criteria (RDoC), criado em 2009 pela NIMH com o objetivo de desenvolver "novas formas de classificar as psicopatologias com base nas dimensões do comportamento observável e medidas neurobiológicas". Como apontam neste link, "a intenção é traduzir o rápido progresso nas pesquisas neurobiológicas e comportamentais básicas para uma compreensão mais integradora da psicopatologia e o desenvolvimento de novos e/ou otimizados tratamentos combinados para distúrbios mentais". Em suma, pretendem ir além do DSM com seu check-list de sintomas, desenvolvendo parâmetros objetivos - leia-se: biológicos - para um diagnóstico mais preciso dos transtornos mentais - leia-se: cerebrais. Como afirmou Inse para o jornal New York Times sobre o DSM, "a biologia nunca leu este livro". Segundo ele, "enquanto a comunidade de pesquisa tomar o DSM como uma bÃblia, nós nunca vamos progredir". Já o diretor do RDoC Bruce Cuthbert disse, nesta entrevista, que no futuro ele imagina que "em vez de dizer que um paciente tem depressão, ansiedade ou stress pós-traumático, diremos que o seu problema é, por exemplo, uma disfunção nos circuitos cerebrais que regulam as emoções. O mesmo para as doenças psicóticas, como esquizofrenia. Diremos, por exemplo, que o problema do paciente é um transtorno de disfunção das sinapses. E então falaremos de grupos de genes que regulam ou que afetam a estrutura das sinapses. Pode ser que a combinação desses genes, e não mais a soma dos sintomas, nos deem ideias diferentes sobre esquizofrenia ou transtorno bipolar". Neste futuro imaginado por ele, em que todos os transtornos mentais passam a ser entendidos e tratados como distúrbios cerebrais/genéticos, será que a Psicologia e a Psiquiatria ("ciências" da "mente") ainda teriam espaço? De qualquer forma, o RDoC é um projeto de longo prazo, praticamente uma missão à Marte - nas palavras do blog Mind Hacks. Por enquanto, como aponta Cuthbert, "o DSM ainda é a melhor forma de diagnosticar os transtornos psiquiátricos que conhecemos".
Neste sentido, algumas semanas depois da "potencialmente sÃsmica" notÃcia do "abandono" do DSM-5 pelo NIMH, um artigo escrito numa parceria entre o mesmo Thomas Inse do artigo anterior, e o presidente da Associação Psiquiátrica Americana (APA, responsável pelo DSM) foi publicado no site do instituto. Tal artigo - intitulado "DSM-5 e RDoc: interesses compartilhados" - é, provavelmente, uma tentativa de acalmar os ânimos daqueles que viram na posição da NIMH uma cisão com o DSM e, logicamente, com a APA. Segundo eles, o RDoC iria além do que o DSM-5 foi ou pode ir neste momento. Neste sentido, os autores deixam claro que o DSM-5, apesar de representar um avanço para a prática clÃnica, não é "suficiente para os pesquisadores". Assim, o o tal "abandono" do DSM-5 pelo NIMH não significa que RDoC e DSM são concorrentes, mas sim que são complementares pois, enquanto o DSM reflete o progresso cientÃfico observado desde a última edição do manual, publicado em 1994, o RDoC é um novo esforço global para redefinir a agenda de pesquisas e criar um novo paradigma no entendimento e tratamento dos transtornos mentais. Conclusão: "ao continuarem a trabalhar em conjunto, as duas organizações estão empenhadas em melhorar os resultados para as pessoas com algumas das doenças mais incapacitantes em toda a medicina". Toda esta história deixou bem claro para mim que o que está em jogo são duas visões biologizantes dos transtornos mentais e o que parecia inicialmente uma ruptura nada mais é do que uma pequena divergência. Ao que parece, pouca coisa mudou.