Ruy Palhano
Neuropsiquiatra
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), na área do consumo de substâncias, há três tipos de usuários: usuários sociais, abusadores e os dependentes químicos. É através dessa classificação que nós, especialistas em dependência química, desenvolvemos nosso trabalho de tratar, de prevenir e propor medidas de reinserção social aos enfermos.
Usuário social, conforme a OMS, define-se como aquele que faz uso de álcool e outras drogas e não apresenta qualquer problema, nem físico, nem psíquico, nem social, isto é, o consumo destas substâncias não provoca qualquer problema, sendo os usuários designados como “funcionais”.
Os abusadores já apresentam distintos problemas com graus variados de gravidade provocados pelo uso da droga, que podem ser clínicos, comportamentais, jurídicos, financeiros e/ou sociais. Mesmo com todos os problemas, mantém-se o uso da droga.
Por último, há o dependente químico, que é um usuário disfuncional, um doente, sendo o próprio uso da substância patológico. São enfermos graves, afetados severamente pela doença, desenvolvem uma vida problemática e já apresentam vários transtornos nas áreas citadas acima. Esses problemas são mais pronunciados na casa, no trabalho, na saúde e financeiramente.
É no universo dos dependentes de drogas que acontece o fenômeno denominado vulgarmente de “fissura”, ou “craving” como dizem os ingleses. Uma condição biológica, ocasionada pelo uso crônico destas substâncias, que provoca alterações graves no sistema nervoso central – SNC, especialmente em área do cérebro que controla as emoções, a cognição e a vontade. Esse estado se caracteriza clinicamente pela disposição insaciável, insuportável e incontrolável de beber ou usar drogas, o padrão de consumo é compulsivo e sua falta, por qualquer motivo, o predispõe a fazer de tudo para consegui-la e consumi-la.
O “craving” reflete um desejo intenso, incontrolável, de usar a droga, um dos sintomas cruciais são pensamentos obsessivos de consumo da droga. A fissura representa um grande incentivo para auto-administração da substância pela expectativa de um resultado positivo.
Muitos crimes e outros comportamentos bizarros ocorrem na vigência da fissura que, contrariamente ao que muitos pensam, não é uma situação simples que os pacientes podem controlar. Muito ao contrário, é um comportamento carregado de ameaças tanto para o indivíduo quanto para outrem. É uma forma de reação ligada diretamente à gravidade da doença, que quanto mais dependente maior a fissura e menos os a chance de controlar sua manifestação. A fissura é um “elemento chave” e muito importante para provocar “recaídas”, assunto tratado em outro artigo, neste jornal.
Esta reação pode ocorrer na fase de consumo da droga, no início da abstinência, ou após um longo tempo sem utilizar a substância.
Outros aspectos psicossociais, como estresse, variáveis da personalidade, motivações e as expectativas dos efeitos da droga, contribuem para a expressão clínica e fisiopatológica do craving, aspectos que não podem ser negligenciados pelos que trabalham com dependentes químicos.
O craving é uma ocorrência aguda que necessita de cuidados urgentes especiais. Em princípio, recomenda-se hospitalização pela segurança e pelos cuidados que inspiram esta situação. A internação deverá ser breve, até que desapareçam completamente os sintomas do transtorno e, em seguida, recomenda-se prosseguir com o tratamento ambulatorialmente.
Fonte: institutoruypalhano.com