Estudo diferencia manifestação mediúnica de doença mental
Psicologia

Estudo diferencia manifestação mediúnica de doença mental



Ana Cláudia Barros
 
Segundo professor, estudo avalia somente médiuns ligados ao espiritismo /
Foto: IstoÉ
Qual a fronteira que separa uma experiência mediúnica de um quadro de transtorno mental? O que diferencia um de outro? Ouvir vozes, ter visões indicam, necessariamente, uma manifestação patológica? Foram justamente essas indagações que motivaram um estudo desenvolvido pelo Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
A pesquisa, que começou a ser realizada no ano passado, tem previsão de conclusão em 2011. Ela é, na verdade, um desdobramento de outra investigação, iniciada em 2001, na Universidade de São Paulo (USP), com o doutorado do professor Alexander Moreira-Almeida. Diretor do Nupes, Almeida é o orientador do trabalho atual.
-Na primeira pesquisa, investigamos 115 médiuns. Pegávamos gente que já trabalhava como médium em grupos espíritas há bastante tempo - explica. De acordo com o professor, foi encontrada uma baixa prevalência de transtornos mentais, menor do que na população em geral, entre os integrandes do grupo estudado.
Nesse segundo momento, estão sendo analisadas pessoas que foram recém -identificadas como médiuns.
-O objetivo das entrevistas é avaliar a presença de transtornos mentais, avaliar características da personalidade, ou seja, avaliar vários traços do funcionamento mental e social, para poder tentar traçar um panorama desse grupo e ajudar pesquisadores e clínicos com dados mais concretos nessa diferenciação.
Confira a entrevista
Terra Magazine - Qual a ideia central do estudo? 
Alexander Moreira-Almeida - 
A ideia basicamente é a seguinte: mediunidade, quando a pessoa se considera estar em contato com alguma força não física, extramaterial ou alguma coisa do gênero. O fato é que esse tipo de experiência apresenta características, como, por exemplo, a pessoa têm visões, ouve coisas que outras pessoas não ouvem, têm a sensação de que há algo influenciando o corpo dela. Esse tipo de vivência é bastante comum na esquizofrenia e em outros quadros psicóticos. 
Há uma discussão muito grande sobre qual a relação de uma coisa com a outra. Será que esses quadros chamados mediúnicos seriam, na realidade, quadros psicóticos, esquizofrênicos?
Foi isso que motivou a pesquisa: diferenciar manifestações ditas mediúnicas de quadros de transtornos mentais? 
Exatamente. Há algumas décadas, a mediunidade era considerada uma manifestação patológica. Hoje, a psiquiatria reconhece que não é bem o caso. Há pessoas que têm essas vivências religiosas, espirituais e que não são, necessariamente, patológicas. Mas falta ainda determinar, com mais precisão, critérios que nos ajude a separar o que seria uma experiência não patológica, ligada à nossa cultura, a um certo grupo religioso, do que seria uma doença mental. Com base nisso, temos feito uma linha de pesquisa neste sentido.
Quando vocês começaram a trabalhar com essa linha de pesquisa? 
O trabalho começou na Universidade de São Paulo (USP), com o meu doutorado, em 2001. Agora, dando continuidade, estou na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), onde coordeno uma linha de pesquisa, com dois alunos de doutorado. Essas duas teses de doutorado começaram no ano passado a coletar os dados.
Que tipo de metodologia está sendo aplicada na pesquisa atual e quantas pessoas foram ouvidas? 
Nossa meta é chegar a 120 pessoas. Buscamos pessoas que procuram centros espíritas e lá, é dito para elas que são médiuns. Naturalmente, não entramos no mérito do que seria efetivamente isso ou não. Só estudamos esse fenômeno. São pessoas classificadas por médiuns, pelos próprios espíritas. Aplicamos uma série de testes psiquiátricos e psicológicos para fazer uma avaliação. Estamos fazendo a avaliação agora, para ver, daqui a um ano, como vão se desenvolvendo essas pessoas.
Como são esses testes? 
São testes de entrevistas. Testes psicológicos e psiquiátricos. O objetivo das entrevistas é avaliar a presença de transtornos mentais, avaliar características da personalidade, ou seja, avaliar vários traços do funcionamento mental e social para poder tentar traçar um panorama desse grupo e ajudar pesquisadores e clínicos com dados mais concretos nessa diferenciação.
Sei que a pesquisa está em andamento, mas vocês já chegaram a uma conclusão? 
Em relação à pesquisa inicial, já temos uma conclusão. Essa outra ainda está em andamento. Na primeira pesquisa, investigamos 115 médiuns. Pegávamos gente que já trabalhava como médium (na atual, são pessoas que acabaram de ser classificadas como médiuns), em grupos espíritas há bastante tempo. 
Um detalhe importante: quando falamos em mediunidade, nós não estamos restringindo a apenas um grupo religioso, embora a pesquisa em si, por razões metodológicas, escolheu o espiritismo, por ser um grupo que trabalha de modo mais intenso e mais direto. Classificamos mediunidade como qualquer experiência em que a pessoa se julgue em contato com as dimensões espirituais. Pensando dessa forma, a umbanda, os católicos carismáticos, pentecostais protestantes. Todos esses têm contato com espírito santo, com alguma dimensão... Estamos trabalhando com o espiritismo por ser muito disseminado no Brasil.
Então, vocês trabalharam com 115 médiuns. Qual foi a conclusão? 
Pegamos 115 médiuns, frequentando centros espíritas de São Paulo, mas eram médiuns que atuavam a bastante tempo como médiuns. Traçamos um perfil psiquiátrico dessa população e, basicamente, encontramos uma baixa prevalência de transtornos mentais. Menor do que encontrado na população em geral.
Qual a avaliação que vocês fizeram em cima desse resultado?
Esse é o primeiro resultado. Ainda há outro resultado importante, que medimos a adequação social, para ver quanto desses indivíduos eram bem ajustados socialmente, no trabalho, na família, na vizinhança. Também evidenciou um bom ajuste social. O mais importante: não havia relação entre a intensidade dessas vivências mediúnicas e problemas de ajustamento social ou de sintomas psiquiátricos. Ou seja, eram coisas separadas.
Foi o primeiro estudo com amplo número de pessoas e metodologia rigorosa, que investigou a saúde mental de médiuns. Basicamente, o que nós concluímos... O primeiro dado, que mostra de modo objetivo, usando metodologia padrão, internacional da saúde mental, desses médiuns, pelo menos esses, que estão frequentando e trabalhando há bastante tempo em grupos espíritas, revela que eles têm uma boa saúde mental, que essa vivência deles, embora, a princípio seja semelhante a um quadro psicótico, não é a mesma coisa. São coisas diferentes que precisam ser melhor estudadas. 
A partir disso, então, estamos fazendo esse segundo momento de pesquisa, dando continuidade nessa linha, para ajudar a separar essas questões.
Quais os critérios que vocês estão usando para diferenciar uma experiência espiritual de uma manifestação patológica?
A pesquisa não entra no detalhe do que seria uma experiência espiritual. Estamos apenas separando se é uma vivência patológica ou não. Ou seja, se é um real contato com o mundo espiritual, se é uma coisa que o inconsciente da pessoa cria ou não. Nós não estamos investigando isso nessa pesquisa atual. 
Temos projetos de avançar nessa questão também. Nessa pesquisa, estamos investigando o que seria uma experiência religiosa, mística, não patológica do que seria um quadro psiquiátrico. Não estamos entrando no mérito de qual seria a causa dessa vigência espiritual, que é um detalhe importante.
Para considerar como doença mental, estamos usando critérios diagnósticos psiquiátricos utilizados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Estamos utilizando qualidade de vida dessas pessoas e adequação social. Na realidade, estamos testando alguns critérios que têm sido propostos na literatura médica. A gente publicou, recentemente, um artigo na revista de psiquiatria clínica da USP, levantando novos possíveis critérios que fariam essa diferenciação. Estamos testando esses critérios.
Quais seriam os critérios?
Entre os critérios está, por exemplo, a ideia de que a pessoa tem a vivência, mas esta não causa sofrimento para o indivíduo. Outra, essa vivência não causa prejuízo para o funcionamento social, profissional da pessoa. Outro critério seria que a pessoa tem controle sobre essa vivência. Mais um critério seria a pessoa não ter outros sintomas de doença mental, além dessas vivências , ouvir, ver...
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