Aderir ou não aderir? Eis a questão
Psicologia

Aderir ou não aderir? Eis a questão


Recentemente me fizeram a seguinte pergunta: “Como fazer um cliente aderir à terapia e não abandonar o seu terapeuta?” Respondi bem rapidamente dizendo que primeiramente não temos esse poder de manter o cliente conosco, vai depender da motivação desse cliente para ele se manter em terapia. Para que o cliente se sinta motivado a continuar no processo terapêutico devemos estabelecer um relacionamento de escuta não punitiva, permitindo que o cliente se expresse livremente. E em segundo lugar devemos analisar algumas variáveis envolvidas nessa motivação à terapia, que chamarei aqui de comportamentos de adesão. 

Como gosto de estudar, pesquisar e escrever sobre os transtornos de ansiedade, nesse texto não será diferente, escreverei sobre a adesão ao tratamento psicoterápico em pacientes com diagnóstico de transtorno de ansiedade, que foi um tema que desenvolvi em uma das minhas monografias do aprimoramento. 

Começo definindo adesão.

Adesão é definida como um comportamento complexo que inclui não só as características do cliente, mas também do clínico e das estratégias de tratamento utilizadas. Esses comportamentos complexos de acordo com Glasgow, Wilson e McCaul (1985), são chamados de comportamentos de auto-cuidado. Os comportamentos de auto-cuidado podem ser considerados comportamentos operantes, controlados por eventos ambientais. Dessa forma, diferentes contingências de reforçamento controlariam diferentes comportamentos de auto-cuidado. Como por exemplo, tomar medicamentos diariamente poderia ser considerado uma resposta de esquiva de complicações da doença (Sidman, 1953). Seguir uma dieta alimentar poderia ser comportamento controlado por regras (Skinner, 1966). O comportamento é modelado e mantido pelas suas consequências, mas apenas pelas consequências que ocorreram no passado (Skinner, 1991).

Quando falamos em adesão ao tratamento psicoterápico, estamos falando da relação terapeuta-cliente.

A importância de tal relação foi apontada por Guilhardi (1997), que afirmou que em uma sessão de terapia, os dados disponíveis para análise são os relatos do cliente e a relação terapêutica. Kerbauy (1999) complementou afirmando que as variáveis relevantes em clínica são categorias amplas que incluem resistência à mudança, relacionamento terapêutico e interação entre terapeuta e cliente. Há autores que consideram o relacionamento que ocorre em terapia o principal mecanismo de mudança do cliente. Para esses autores a relação terapêutica é uma oportunidade para que o cliente emita comportamentos que lhe têm trazido problemas e, a partir da interação com o terapeuta, aprenda formas mais efetivas de resposta com consequências menos punitivas. (Kohlenberg e Tsai, 2001).

Negligenciar a relação terapêutica pode ser considerada uma das maiores explicações para o fracasso do tratamento (Schindler, Hohenberger-Sieber e Hahlwerg, 1989 in Rangé, 2001). 

Os autores mais consagrados na literatura de terapia comportamental e relação terapêutica são Robert J. Kohlenberg e Mavis Tsai, os quais desenvolveram a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) baseada no conceito de reforçamento em situação clínica e generalização ao ambiente externo. O trabalho é realizado por intermédio da observação e intervenção nos comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) que ocorrem na presença do terapeuta. Esses comportamentos são divididos em três tipos: CRB1 refere-se aos problemas do cliente; CRB2, aos progressos do cliente; e CRB3 às interpretações do cliente sobre seu próprio comportamento (Kohlenberg e Tsai, 2001). 

O conceito de aliança terapêutica é visto como um CRB2 por Kohlenberg e Tsai, os quais consideram a aliança um importante componente da relação cliente-terapeuta. Essa aliança gira em torno da habilidade do cliente de se envolver com a auto-observação, facilitando, portanto, outros CRBs (Kohlenberg, e Tsai, 2001). Em outras palavras, o terapeuta deve ser sensível o suficiente para identificar o tipo de relação terapêutica necessitada pelo cliente. É essa sensibilidade e a relação humana de aceitação e interesse que tem função terapêutica.

Outra forma de pensar a relação terapêutica é a considerando positiva quando há semelhança entre os objetivos do terapeuta e do cliente para a terapia. Se ambos dividem metas, significa que haverá colaboração mútua, ampliando a possibilidade de o tratamento ser bem sucedido. Essa definição de boa relação terapêutica deixa implícito algo bastante interessante: a importância da participação do cliente na terapia. O profissional deixa de ser pensado como alguém com conhecimento superior que ajudará alguém com problemas. Ambos passam a ser iguais em uma relação, sendo que um deles tem o objetivo de facilitar as descobertas do outro.

Como eu disse anteriormente, além da relação terapêutica, há outras variáveis envolvidas na adesão ao tratamento. Variáveis como: presença de suporte familiar (apoio da família), aceitação e entendimento de seu transtorno, consciência da necessidade do tratamento, ter compromisso com o tratamento (comparecer às sessões), comunicação adequada por parte do profissional (terapeuta utiliza linguagem acessível), são algumas das variáveis que contribuem para a adesão do cliente ao tratamento. O cliente que recebe explicações claras (psicoeducação) e compreende a base lógica do tratamento tem mais vontade de cooperar, eles gostam mais do profissional que o atende e quanto mais gostarem deste profissional, mais aderentes serão ao plano terapêutico. O relacionamento com a família também constitui uma variável de adesão ou não adesão. Estudos têm demonstrado que baixos níveis de conflitos, altos graus de união e organização, além de uma boa comunicação estão associados a um melhor regime de adesão (Delamater, 2001). 

E como é a adesão ao tratamento em clientes com diagnóstico de transtorno de ansiedade?

Ainda há poucas pesquisas que estudam procedimentos específicos para melhorar a adesão ao tratamento por pacientes com transtorno de ansiedade. Alguns estudos sugerem que as estratégias para garantir a adesão logo no início do tratamento podem ajudar na recuperação do paciente (De Araújo, Ito e Marks, 1996). 

A fobia social é um transtorno psiquiátrico que apresenta diversos fatores relacionados a baixos níveis de adesão (Malerbi, Savoia e Bernik, 2000). Os autores discutem que além dos fatores gerais relacionados à não adesão, há também os relacionados a doenças psiquiátricas e, mais importante, peculiaridades da fobia social como comportamentos de esquiva do contato social poder tornar mais difícil a interação cliente-terapeuta. Com objetivo de apontar e analisar os motivos que levaram clientes com padrões comportamentais característicos de fobia social a desistirem de psicoterapia grupal os autores verificaram que: a) clientes com antecedência de baixa aderência; b) percepção distorcida dos resultados do tratamento e de seu status clínico; c) falta de motivação para o tratamento; e d) a atribuição dos sintomas à personalidade ao invés de encará-los como doença foram preditores de baixa aderência ao tratamento.

No transtorno obsessivo-compulsivo verificou-se que 15% dos clientes desistem da terapia antes da melhora clínica e, os demais apresentam graus variados de adesão (De Araujo et al, 1996). Esses autores chamaram a atenção para o fato de que os clientes que fazem adequadamente a auto exposição e a prevenção de resposta em casa na primeira semana de tratamento são os que apresentam mais progresso quando avaliados sete meses depois e sugeriram que a preparação para o tratamento deveria incluir medidas educativas claras e detalhadas sobre as tarefas de casa. Salientaram também a importância de se informar ao cliente que a terapia de exposição pode melhorar os sintomas mais severos.

Clientes com transtorno de pânico devem receber tratamento psicofarmacológico e/ou psicológico. Os tratamentos mais utilizados englobam o uso de medicamentos, terapia comportamental, exercício de exposição, antidepressivo combinado com exposição ou terapia comportamental combinado com exposição, sendo que cerca de 20% dos clientes que recebem algum tipo de tratamento para o transtorno do pânico desistem do tratamento e uma porcentagem ainda maior demonstram baixa adesão (Van Balkom, Bakker, Spinhoven, Blaauw, Smeenk e Ruesink, 1997). 

Santin, Cerezer e Rosa (2005) realizaram uma revisão de literatura, a respeito da adesão ao tratamento do transtorno bipolar considerando que a má adesão seria uma das principais dificuldades encontradas em relação ao tratamento destes clientes. As autoras identificaram que as taxas de não adesão eram altas em transtorno bipolar, representando 47% em alguma fase do tratamento ou 52% durante um período de dois anos, e que fatores ligados ao cliente, aos medicamentos e aos médicos poderiam ser responsáveis pela baixa adesão. Propuseram, como uma das medidas para melhorar a adesão dos clientes bipolares, identificar as atitudes que os fazem interromper o tratamento e discuti-las com o cliente nas consultas, promovendo informação e conhecimento sobre o transtorno e o tratamento.

O tratamento dos transtornos de ansiedade é um processo dinâmico no qual os sujeitos estão em contato com uma variedade de fatores que influenciam sua continuidade ou a descontinuidade, facilitar a adesão e aderir ao tratamento não são tarefas fáceis; são desafios que sofrem oscilações e demandam atenção contínua. Dessa forma adesão depende da provisão de métodos, ferramentas e incentivos específicos e especialmente do grau de envolvimento do cliente e do profissional no tratamento. 

Adesão ao tratamento também inclui fatores terapêuticos e educativos relacionados aos clientes, envolvendo aspectos ligados ao reconhecimento e à aceitação de suas condições de saúde, a uma adaptação ativa a estas condições, à identificação de fatores de risco no estilo de vida, ao cultivo de hábitos e atitudes promotores de qualidade de vida e ao desenvolvimento da consciência para o autocuidado.


Referências
  
Delamater, A. M. (2001). Improving patient adherence. Clinical Diabetes. 24 (2): 71-77.  

De Araujo, L. A.; Ito, L. M. E Marks, I. M. (1996). Early compliance and other factors   predicting outcome of exposure for obsessive-compulsive disorder. British journal of   Psychiatry, 169, 747-752.

Guilhardi H. J. (1997). Com que contingências o terapeuta trabalha em sua atuação clínica? In R. A. Banaco (Org.), Sobre o Comportamento e Cognição: Aspectos Teóricos, Metodológicos e de Formação em Analise do Comportamento e da Terapia Cognitivo-Comportamental. Santo André, SP: ARBytes Editora.

Glasgow, R. E.; Wilson, W E McCaul, K. D. (1985). Regimen Adherence: A Problematic Construct in Diabetes Research. Diabetes Care, 8, (3), 300-301.

Kerbauy, R. R. (1999) Pesquisa em terapia comportamental: Problemas e soluções. Em Kerbauy, R. R., e Wielenska, R. C. (Orgs). Sobre Comportamento e Cognição: Psicologia Comportamental e Cognitiva da reflexão teórica a diversidade na aplicação. Vol 4, 1ª ed., pp. 61 68. Santo André, SP: ARBytes Editora.

Kohlenberg, R. J. E Tsai, M. (2001). Psicoterapia analítica funcional: criando relações terapêuticas e curativas. Tradução Organizada por R. R. Kerbauy. Santo André: ESETEc, Editores Associados.

Malerbi, F. K; Savoia, M. G; Bernik, M. A. (2000). Aderência ao tratamento em fóbicos sociais: um estudo qualitativo. Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva 2(2): 147-155.

Malerbi, F. E. K. (2000). Adesão ao tratamento. In R. R. Kerbauy (org.). Sobre Comportamento e Cognição 5. Santo André: ARBytes Editora.

Santin, A.; Cereser K.; Rosa A. (2005). Adesão ao tratamento no transtorno bipolar.   Revista Psiquiatria Clínica, São Paulo, v. 32, p.105-109, suplemento 1.

Sidman, M. (1953). Avoidance conditioning with brief shock and no exteroceptive warning signal. Science. Aug 7;118(3058):157–158.

Shinohara, H. (2000). Relação terapêutica: o que sabemos sobre ela? In R. R. Kerbauy (org.). Sobre Comportamento e Cognição 5. Santo André: ARBytes Editora.

Skinner, B. F. (1966). The behavior of organisms: An experimental analysis. New York: Appleton-Century.

Skinner, B. F. (1991). Questões Recentes na Análise Comportamental. Campinas:
Papirus. Cap.3. Publicação original 1989.
Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes.

Van Balkmon, A. J. L. M., Bakker, A., Spinhoven, P. H., Blaauw, B. M. J. W., Smeenk, S., & Ruesink, B. (1997). A meta-analysis of the treatment of panic
disorder with or without agoraphobia: A comparison of psychopharmacological, cognitive-behavioral, and combination treatments. The journal pf nervous and mental disease, 185, 510-516.



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