Psicofobia ou psiquiatriafobia?
Psicologia

Psicofobia ou psiquiatriafobia?



Segundo matéria publicada anteontem na Folha de S. Paulo, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) está se mobilizando com o objetivo de criminalizar a Psicofobia. Mas o que é Psicofobia? Primeiro, vamos à explicação oficial, da ABP. Para eles, Psicofobia designa o preconceito contra portadores de doenças ou transtornos mentais. Trata-se de um neologismo, provavelmente criado pela associação. De acordo com a proposta de alteração do Código Penal, encampada pelo Senador Paulo Davim a partir da mobilização da ABP, será considerado crime, com pena de 2 a 4 anos, qualquer ação que dificulte ou impossibilite o acesso ao trabalho e à educação aos portadores de transtornos ou deficiências mentais. De uma forma mais ampla, a proposta criminaliza qualquer atitude preconceituosa e discriminatória com relação aos "doentes mentais". 

Colocando as coisas desta maneira, quem se colocaria contra tal proposta? Acredito que ninguém, pois acho difícil alguém, com um mínimo de bom senso, se colocar a favor do preconceito aos portadores de transtornos mentais. No entanto, a coisa é mais complexa. Analisando a definição de Psicofobia da ABP surgem, de cara, duas questões essenciais: o que é um transtorno mental? Quem são os portadores de transtornos mentais? Aqueles que já leram um pouco sobre a história das classificações psiquiátricas, sabem que o que é definido oficialmente como transtorno mental já mudou diversas vezes. Vários comportamentos que eram encarados e tratados como transtornos o deixaram de ser enquanto outras questões passaram a ser consideradas patologias. O DSM-5 vem aí em 2013 pra modificar ainda mais o que hoje é considerado transtorno mental. Tendo em vista esta característica metamórfica das categorias psiquiátricas, um questionamento se faz necessário: o que os defensores da criminalização da Psicofobia entendem por transtorno mental? 

Em um artigo denominado “O código penal e a psicofobia”, o presidente da ABP Antônio Geraldo da Silva aponta que cerca de 20% da população brasileira (mais de 40 milhões de pessoas) é portadora de algum transtorno mental, como a “esquizofrenia, bipolaridade, dislexia, autismo, ansiedade, transtornos alimentares e síndrome de Down”. Percebe-se que o que é entendido por “transtorno mental” engloba um amplo espectro de “problemas”, que vão desde a ansiedade e a dislexia até o autismo e a Síndrome de Down. Mesmo um leigo é capaz de compreender que são problemas muito diferentes, em vários sentidos. Uma Síndrome de Down é completamente diferente de uma Síndrome do Pânico, muito embora os psiquiatras biológicos modernos tendam a considerar ambas como distúrbios genéticos e cerebrais. Mas convenhamos: existem diferenças significativas entre os dois problemas. Chamar ambos de "transtorno mental" implica ignorar significativas distinções entre estas categorias. Mas isto é assunto para outro post.

Em outro artigo (“Psicofobia é crime”), publicado no jornal O Globo, Antônio Geraldo da Silva aponta para um crescimento tanto da incidência dos transtornos mentais quanto do preconceito com relação à seus portadores Segundo ele, combater o preconceito contra doentes mentais é tão necessário hoje, afirma, quanto o enfrentamento do preconceito contra negros, homossexuais e mulheres. Para ele, â€œse não se deve debochar ou subestimar de doenças como o câncer (...) também não há razão para as doenças mentais não serem encaradas com a seriedade que elas pedem e seus portadores exigem". Aponta ainda para a existência de "várias formas de preconceito, entre elas a própria negação da doença como algo menor ou passageiro”.

É este aspecto da criminalização da Psicofobia que realmente me preocupa. A indefinição do que é transtorno mental é "café pequeno" diante da possibilidade de se criminalizar o questionamento à Psiquiatria. Este aspecto da questão fica evidente no final da 
"Carta de Esclarecimento à Sociedade sobre o TDAH, seu diagnóstico e tratamento" (analisada aqui), quando a ABP, referindo-se àqueles que questionam a existência e legitimidade do diagnóstico de TDAH, afirma  que "fornecer informações equivocadas e ocultar dados científicos bem documentados é dificultar. ou retardar o acesso da população ao diagnóstico ou a tratamento, é a expressão de uma das mais perversas formas de discriminação social: a Psicofobia". A expressão "informações equivocadas", no caso, parece se referir à informações discordantes ou alternativas à Psiquiatria oficial.


A utilização da expressão Psicofobia no contexto desta Carta aponta, na minha opinião, para um outro objetivo, mais oculto e não tão nobre, da cruzada em prol da criminalização da Psicofobia. Podemos entendê-la como uma estratégia da ABP de enquadrar todos aqueles que questionam certas categorias e as classificações psiquiátricas de uma forma geral, como preconceituosos com relação aos portadores. Neste  sentido, a Psicofobia se converteria numa Psiquiatriafobia e o que estaria em jogo não seria propriamente o preconceito com relação aos portadores, mas o "preconceito" com relação à Psiquiatria oficial. Talvez, com todo esse movimento, a associação pretenda eliminar, se não através do debate, mas via legislação penal, qualquer questionamento ou controvérsia com relação às classificações psiquiátricas. 


Enfim, se esta proposta de criminalizar a Psicofobia servir estritamente para punir aqueles que impedem ou dificultam o acesso ao trabalho ou à educação aos portadores de transtornos mentais, podem contar com o meu apoio. Ainda que questione a utilização vaga da expressão "transtornos mentais", não teria grandes motivos para me colocar contra. No entanto, se tal proposta implicar na blindagem da Psiquiatria oficial contra qualquer crítica, como se criticá-la significasse desmerecer o sofrimento das pessoas, aí não tenho como ser a favor. Afinal, a Psiquiatria, como a Psicologia, é um campo repleto de incertezas, desconfianças, controvérsias e disputas. Colocar os "pacientes" como se fossem coletes à prova de balas, indica talvez mais um medo de ser atingido do que um desejo de proteger aqueles que precisam. É claro que eu posso estar enganado, mas se estiver não me critiquem, ou estarão cometendo uma das formas mais cruéis de Psicofobia, que é o preconceito contra psicólogos...






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