Vale a pena aprender uma segunda língua já adulto?
Psicologia

Vale a pena aprender uma segunda língua já adulto?



“Requisitos da vaga: conhecimento do pacote Office e inglês avançado.” “Disponibilidade para viagens e é imprescindível inglês fluente”. Na procura pelo emprego, é comum encontrar esse tipo de descrição. Saber um segundo ou terceiro idioma já não é mais um diferencial, e sim uma habilidade esperada do candidato. Muitos profissionais qualificados e com experiência na sua área não conseguem uma boa colocação no mercado pelo fato de não apresentarem um bom desempenho ao falar uma segunda língua.

Muitos não tiveram a chance de aprender outra língua enquanto crianças ou adolescentes. Já adultos, se veem cobrados pelo mercado de trabalho a dominar um idioma, normalmente o inglês. A história se repete: começaram cursos quando mais novos e pararam, depois recomeçaram e pararam novamente, o problema foi então sendo adiado e quando a habilidade é requisitada, a pessoa já é um adulto formado com alguma experiência, mas cuja falta de fluência a impede de avançar na carreira.

É comum o desânimo quando adultos começam a frequentar aulas e se veem com um desafio que parece grande demais para ser superado. A facilidade com que crianças aprendem um idioma é notável, assim como a dificuldade que um indivíduo mais velho enfrenta para formar uma simples frase em outra língua. Os adultos se sobressaem em comparação às crianças em muitas tarefas, mas certamente aprender uma língua não é uma delas. Por que isso acontece? Qual a diferença entre os aprendizados da criança e do adulto quanto à língua?

Sem necessidade de instruções formais, as crianças se tornam rapidamente eficientes em se comunicar através da língua materna. Já nascem equipadas para adquiri-la: existem estruturas cerebrais para aprender e processar a língua em que a criança é exposta. Com poucos dias de vida, os bebês conseguem discriminar fonemas, perceber sílabas e são sensíveis ao ritmo da fala. Aos seis anos, uma criança sabe, em média, cerca de 8.000 palavras.

Toda a preparação biológica do aparato cerebral espera encontrar um ambiente em que uma língua seja falada, para que então essa capacidade de comunicação exclusivamente humana se desenvolva. Os especialistas em linguagem falam sobre a existência de um período crítico, ou janela de oportunidade, em que uma criança deve ser exposta à língua para aprendê-la. Caso não tenha contato com nenhuma língua até o início da puberdade, dificilmente seria capaz de falar depois, mesmo com treinamento intensivo.


Alguns casos apoiaram essa hipótese, o mais conhecido é o da menina Genie, que foi encontrada aos 13 anos mantida em um quarto por pais desequilibrados que nunca falaram com ela. Depois de resgatada e após muitas tentativas de ensino e apesar da sua inteligência ser alta, ela nunca conseguiu aprender a falar.

Possivelmente, a prontidão biológica para aprender a língua materna também facilita a aprendizagem de uma segunda língua pela criança, porque são utilizados os mesmos circuitos e funções cerebrais. Além disso, há alta plasticidade cerebral na criança, pois os circuitos neurais ainda não são tão específicos, ou seja, estão mais abertos à aprendizagem e à modificação. Portanto, tanto caminhos específicos para o aprendizado de uma língua estão mais disponíveis, quanto outras funções cognitivas estão mais aptas ao aprendizado em geral.
 
A arte de falar fluentemente
A curva de proficiência em uma língua tende a cair conforme a idade do início da exposição à essa língua aumenta, principalmente a pronúncia. Ou seja, quanto mais velha a pessoa começa a aprender uma língua estrangeira maior a dificuldade de pronunciar os sons dessa língua, e também maior a quantidade de erros no emprego das palavras.

O sotaque da língua materna também se torna muito difícil de amenizar após a puberdade, mesmo que alguém se mude para outro país e lá viva por muito tempo, ainda provavelmente terá sotaque do idioma nativo se a mudança ocorreu após a adolescência. Isso é facilmente observável em famílias que emigram, pois enquanto os pais sofrem para aprender o novo idioma e carregam o modo de falar da língua materna, seus filhos aprendem rapidamente a língua e logo se assemelham aos nativos.

Alguns pesquisadores acreditam que isso acontece porque quanto mais velho se fica, menos plástico o cérebro é. Assim, uma criança que sofre uma lesão no hemisfério esquerdo, o dominante para a linguagem, normalmente consegue recuperar a capacidade de falar porque outras partes do cérebro começam a exercer essa função. Já um adulto que seja vítima da mesma lesão tem muito mais dificuldade para recuperar a capacidade de linguagem, e pode ficar afásico (com prejuízo na habilidade de linguagem) permanentemente.

Isso ocorre, dentre outros fatores, porque, no cérebro adulto, há um alto grau de especialidade neurofuncional, em que os circuitos cerebrais se especializam em certas operações mentais e se tornam menos abertos à modificação pela aprendizagem. O nível de mielinização é mais alto, assim, esse isolamento elétrico que, ao mesmo tempo torna a velocidade da transmissão neuronal mais rápida, também inibe o crescimento de novos neurônios, portanto de novas sinapses.

Além disso, outras modificações ocorrem com a idade: após os vinte anos aproximadamente, o volume cerebral começa a diminuir, assim como o nível de neurotransmissores e funções cognitivas como memória, controle motor e atenção se tornam menos eficientes. Esses fatores podem também contribuir com a dificuldade no aprendizado de uma língua, que envolve a participação de várias partes do cérebro e de várias funções cognitivas.


Outras razões
Há outras explicações possíveis levantadas por diversos estudiosos para a dificuldade da aquisição da segunda língua por um adulto. Por exemplo, para alguns autores o crucial é a interação entre a língua materna e a segunda língua. Nesse caso, a idade seria apenas um indicador do quanto a língua materna está bem estabelecida no cérebro, deixando menos espaço para uma nova língua. Desse modo, quanto mais tempo de presença mais enraizada está a língua nativa, e mais ela influenciará o aprendizado de outra língua, marcando-a com as características preexistentes da língua nativa como pronúncia e relação entre as palavras.

Os pesquisadores concordam com o efeito da idade no aprendizado da segunda língua, porém há menos consenso quanto a existência de um período crítico para a aprendizagem da segunda língua, como hipotetizado com a língua materna. Eles questionam se haveria uma idade em que não seria possível desenvolver a proficiência como a de um nativo em certos aspectos de uma segunda língua, tais como a pronúncia.

A experiência parece apontar para um grande número de pessoas mais velhas enfrentando grandes dificuldades para aprender uma nova língua, em que a média consegue atingir um nível satisfatório, e alguns poucos, um nível de proficiência como o de um nativo. Essas exceções não dariam suporte à existência de um período crítico, porém alguns autores propuseram uma amenização, que seria uma versão fraca da hipótese do período crítico. Nesse caso, se o indivíduo não foi exposto e não adquiriu a segunda língua durante a infância, ele não teria perdido para sempre a oportunidade de falar como um nativo, pois poderia compensar através de uma exposição intensa à língua em um período posterior da vida, morando por um tempo em outro país, por exemplo.

Esses estudos, à primeira vista, parecem desanimadores. Quer dizer que não vale a pena se arriscar a aprender um idioma depois de mais velho, porque é muito complicado? E porque dificilmente se falará tão bem quanto um nativo? Se não se teve a chance de aprender quando criança, não tem mais jeito?

Mesmo com as dificuldades previstas pelos estudos e verificáveis no cotidiano, certamente vale a pena aprender um novo idioma, mesmo depois da adolescência. Em muitos casos, isso é necessário para se conseguir um emprego, se manter nele ou conseguir uma promoção.

Além disso, através de um novo idioma também um novo mundo se torna acessível: pode-se desfrutar de maior autonomia em viagens; livros, artigos, revistas, filmes e sites podem ser compreendidos; pode-se conhecer e conversar com pessoas de outros lugares. Uma forma diferente de se olhar para tudo, inclusive para sua própria cultura, pode ser desenvolvida a partir da aproximação com outra cultura através da sua manifestação linguística.

Há também benefícios para a saúde. Alguns estudos sugerem que ser bilíngue pode proteger o cérebro de algumas perdas cognitivas comuns ao envelhecimento e de sequelas de derrames cerebrais, e ainda atrasar o aparecimento de sintomas de doenças como o Alzheimer e outras formas de demência.
Outra vantagem de aprender uma segunda língua é que a terceira língua é aprendida mais facilmente. Ou seja, após o esforço de aprender a segunda, se o indivíduo quiser aprender outras, será mais fácil. Isso provavelmente acontece porque o aprendizado da segunda língua fortalece habilidades fonológicas, morfológicas e sintáticas, que abrem caminho para novas aquisições.

Portanto, mesmo sendo um desafio, aprender uma segunda língua apresenta muitas vantagens.  E embora os estudos nos ajudem a entender o funcionamento da mente, as vezes eles têm que ser relativizados. Por exemplo, muitos estudos sobre o período crítico na segunda língua utilizam o critério de proficiência na língua como igual ou indistinguível da de um nativo. Esse objetivo não é ou não deveria ser o de todo estudante de uma língua estrangeira.     Normalmente, o que se pretende ao se estudar uma língua é adquirir o poder de comunicação: a troca de informações. E, para isso, não é necessário possuir uma gramática perfeita, até porque nem mesmo todos os nativos a possuem, ou uma pronúncia idêntica a do nativo: ela tem que ser boa o suficiente para que os outros a entendam, e isso basta.


Maior contato com o idioma

A motivação para aprender têm alta correlação com o nível de proficiência linguístico atingido, de acordo com várias pesquisas. A motivação é o processo que sustenta comportamentos direcionados; uma pessoa motivada é aquela que tem objetivos e aspirações, se esforça, persevera,  é reforçada com o sucesso e desapontada com o fracasso, e faz uso de estratégias para atingir suas metas. Especialmente, a motivação para falar a língua, ou seja, para se expor a ela, é essencial para desenvolver a fluência.

O tempo de exposição à língua também é importante. Visitar e/ou morar no país estrangeiro, ou incorporar o idioma na rotina estudando um pouco todos os dias, lendo jornais, revistas, vendo filmes, escutando música, enfim, todo o contato com a língua é importante. Assim, há aumento de vocabulário, aumento da percepção dos sons, aproximação com a forma de pensar da cultura etc. Os adultos costumam possuir estratégias de aprendizado mais eficazes do que as crianças e os adolescentes, o que pode compensar a desvantagem biológica.

No final do século passado, novas ideias na área da educação apontaram para a existência de diferentes estilos de aprendizagem. Esses estilos seriam produto de predisposições biológicas e de experiências que ocorreram na família, na escola, na comunidade e na cultura. Vários estilos foram definidos por muitos autores, alguns deles são os estilos analítico ou sintético, extrovertido ou introvertido, e ainda o visual, auditivo, sensório etc. Sabe-se que quando o aluno está consciente da forma com que ele aprende melhor, costuma se tornar mais interessado, motivado, e participativo, fatores que também aumentam a eficácia da aprendizagem.

A partir da teoria das inteligências múltiplas do psicólogo Howard Gardner, acredita-se que algumas técnicas de ensino de uma segunda língua podem beneficiar os alunos e seus diferentes talentos e facilidades. Trata-se de utilizar várias habilidades, e não somente a linguística por si, como escutar uma música (inteligência musical), utilizar elementos visuais como fotos e filmes (inteligência viso-espacial), fazer brincadeiras de mímica (inteligência cinestésica-corporal) e de dramatização (inteligência interpessoal). Dessa forma, o estudante pode se beneficiar ao aprender em seu estilo favorito, e também desenvolver as suas outras inteligências.

Todos esses fatores influenciam no aprendizado de uma segunda língua, e diferentes linhas de ensino os levam em consideração de várias formas. Na psicologia, as diversas linhas teóricas enfatizam diferentes fatores: na tradição behaviorista, o ensino direcionado com o feedback negativo e positivo e a repetição têm grande importância. Em uma linha humanística, sentimentos, motivação e autoconfiança são pontos chave, enquanto o construtivismo leva em consideração a história e cultura do aprendiz, e o professor é visto como facilitador, pois a responsabilidade do aprendizado está no aluno. Já uma linha mais cognitivista utiliza modelos do funcionamento mental e técnicas desenvolvidas a partir deles, por exemplo, o modelo mental do funcionamento da memória e da gramática universal.

Apesar da idade ser um fator muito importante para o aprendizado de um novo idioma, os estudos também apontam que há grandes diferenças individuais no desempenho ao se falar uma segunda língua. Talento individual, personalidade, esforço, motivação, quantidade de exposição à língua e qualidade do ensino são todos fatores que influenciam na velocidade e qualidade do aprendizado.



Acima do tom
O sotaque, algumas vezes, é tratado como se fosse uma característica negativa a ser eliminada, porém há outras maneiras de olhar para essa questão. Sotaque é a maneira particular da pronúncia de um indivíduo, que costuma se relacionar ao local em que cresceu, à sua classe social, à sua etnia etc., portanto, todas as pessoas têm sotaque. Ele se relaciona com a individualidade e personalidade e pode ser considerado como uma marca distintiva no sentido de que caracteriza a pessoa como alguém de certa nacionalidade e com uma história de vida sempre carregada consigo.

Em uma segunda língua, a pronúncia deve ser próxima a de um nativo em um grau suficiente para o entendimento. Assim, o sotaque da língua materna não precisa ser eliminado, e sim amenizado o suficiente para permitir a compreensão da sua segunda língua por outros.


QI ou QE?
Alta inteligência geral não parece explicar a facilidade que algumas pessoas têm em aprender outras línguas, assim como baixa inteligência não explica totalmente o fracasso nessa  aprendizagem. Os estudos realizados comparando o quociente de inteligência (QI) e a capacidade de aprendizado de uma segunda língua mostraram um nível moderado de correlação (Silva & White, 2002). Assim, aprendizes excepcionais de um segundo idioma não necessariamente apresentam QI mais alto do que a média, mas em termos cognitivos, parecem ser muito bons em algumas habilidades específicas, como alta capacidade de memorização e recuperação da informação enquanto estão interagindo.
Há outros fatores que contam para o sucesso, além dos cognitivos. Certos componentes da personalidade podem influenciar a maneira e a velocidade com que um estudante aprende uma segunda língua, como grau de inibição, grau em que se expõe ao risco, nível de ansiedade e de autoconfiança. É comum adultos sofrerem com a vergonha ao falar a língua que estão aprendendo e, por isso, se expõem menos a situações de prática, o que prejudica o aprendizado.


Texto adaptado do original publicado na revista Psique Ciência & Vida, maio de 2012. 

Referências

Birdsong, D. (2006)  Age and second anguage acquisition and processing: A selective overview. Language Learning.

Flege, J.E.,Yeni-Komshian, G.H., Liu, S. (1999). Age constraints on second-language acquisition. Journal of memory and language, 41, 78-104. 

Pinker,  S. (1994). The language instinct: how the mind creates language. New York:William Morrow and Co.

Schouten, A. (2009). The Critical Period Hypothesis: Support, Challenge, and Reconceptualization. Teachers College, Columbia University, Working Papers in TESOL & Applied Linguistics, 9 (1).





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