Ser ou ter? Eis a questão.
Psicologia

Ser ou ter? Eis a questão.


Todos nós, em algum momento da vida, nos damos conta de que sentimos algo como "um vazio". Não se sabe bem como descrevê-lo ou como preenchê-lo, porém, a maioria, senão todos, o sentem. A maioria procura preenchê-los das mais variadas formas: uns através de estudos, outros através de trabalho, outros através de religião, de drogas, de relacionamentos, e alguns até com futebol: varia de pessoa pra pessoa, de gosto e da personalidade de cada um. E as pessoas passam bastante tempo dedicando-se a uma dessas coisas, que de uma forma ou de outra, sentem que "fazem bem", ajudam a aliviar "o vazio".

A consequência disso pode ser boa, para os que se dedicam a coisas saudáveis e que realmente lhe fazem bem, ou podem, de certa forma, atrasar sua vida.

Durante muitas épocas da história, os valores foram construídos e disseminados por culturas, tradições foram passadas de família para família, variando de acordo com o lugar e a época. Com o passar do tempo, valores foram repensados, tradições foram perdidas e assim por diante, até chegarmos “A Era Moderna” em que estamos inseridos hoje.

A sociedade em que vivemos está cultivando quais valores atualmente? Educação, compaixão, respeito e igualdade entre as pessoas? Saúde, bem-estar? Ou talvez estaria cultivando consumismo selvagem, medicalização dos sentimentos, competitividade (muitas vezes desonesta), egoísmo? Porque será que a depressão se espalha como uma "epidemia" por todas as idades, sendo considerada a doença do século? No caso da depressão a pessoa tem uma deficiência na produção de hormônios (como a endorfina), mas ela nasceu assim, ou o contexto social fez com que ela fosse produzindo cada vez menos? Questão complexa.

Dizem que estamos caminhando para um tipo de progresso, mas que progresso será esse? Será que o progresso econômico e tecnológico é mais importante do que o progresso pessoal, social e cultural de cada indivíduo? Você ouve mais as pessoas falando sobre algo que querem comprar ou sobre algo que elas querem aprender a ser? Será que atualmente as pessoas estão preferindo ter algo ou ser algo?

Hoje em dia ao conhecer o namorado de sua filha, os pais procuram perguntar sobre onde e o que o garoto estuda, em que (e se) ele trabalha, quem são seus pais (afinal, um bom sobrenome muitas vezes causa grande simpatia por parte dos pais. Ter o filho do Bill Gates como genro não seria nada mal, né?!); Será que tais preocupações são mais importantes do que se preocupar, por exemplo, se ele é uma pessoa digna, honesta, se gosta realmente de sua filha? Será que o "status" do namorado não está valendo mais do que seu caráter, sua personalidade?

Claro que não vamos generalizar, de forma alguma. Cada caso é um caso e não estamos aqui para julgar e sim para questionar e buscar entender. Mas será que a grande maioria das pessoas ao menos para pra pensar sobre tais questões?

Será que paramos para pensar e refletir sobre nossos valores, sobre o rumo que estamos dando as nossas vidas? Ou será que esses valores são impostos e estabelecidos de fora para dentro? A mídia é o exemplo mais forte que estabelece, de fora para dentro, os padrões a serem seguidos, não mais pela educação ou pela escola, não mais pela família... Pela mídia. Valores sociais distorcidos são impostos, é dito o que está na moda, o que é certo e errado, o que é falso e verdadeiro. Será que a maioria das pessoas consegue filtrar o que essa mídia vem “pregando”? Será que ela prega algo além de sucesso, poder, dinheiro e competição?

Será que é possível estabelecer esse rumo a ser seguido, SEM influência alguma da mídia? Será que estamos parando pra pensar quais setores de nossa vida estamos dando prioridade? Porque será então que as pessoas se sentem cada vez mais sozinhas, porque cada vez na sociedade moderna se torna mais comum os pais deixarem de lado seus filhos, a atenção e a educação que deve a eles, para dedicar tempo somente ao trabalho, a produzir e a ganhar dinheiro? Chegamos ao ponto de ser extremamente “normal” os pais deixarem seus filhos em casa, com a TV como babá, com a justificativa de que “não lhes deixam faltar nada”. Talvez não deixem faltar nada material, mas será que o afetivo está tão bem quanto o econômico?

As crianças vêm sentindo a pressão de tal sociedade desde pequenos, são bombardeados de informações e vão se tornando crianças consumistas desde muito cedo. A influência da mídia é inegável pra quem tem um mínimo de senso crítico e visão sobre a sociedade em que estamos inseridos... Para alguns pode parecer exagero, mas será que a mídia não influência o que vamos comer? O que vamos vestir? Do que vamos gostar, o que vamos ouvir? O que vamos ler? Pra onde vamos passear? Em que vamos gastar? Alguém é capaz de negar essa influência?

Será que estamos escolhendo a forma certa de "preencher nossos vazios"? Ou estamos tentando comprar algo para preenchê-los?

O dinheiro há muito tempo vem sendo tratado como um Deus de uma religião, pessoas dedicam sua vida pra ele, e idolatram-no. Inclusive em várias religiões é isso que é pedido pelos seus líderes: não pedem que se pratique o bem, que se tente entender e amar o próximo, mas se pede dízimo e dinheiro. E quando as pessoas conseguem o dinheiro, percebem, infelizmente, que seus vazios continuam lá. Pois não são as coisas que o dinheiro compra que vão trazer o que os seres humanos estão realmente procurando e necessitando. O dinheiro é superficial, o que está faltando é humanidade, afeto e compaixão uns pelos outros...

Será que as pessoas estão se contentando em ter dinheiro suficiente apenas para ter uma vida boa, estável, segura e confortável ou elas querem sempre mais, mais, e mais? Porque será que milionários, muitas vezes, passam 80% do seu tempo trabalhando? Trabalhamos para viver, ou vivemos para trabalhar, produzir mais, ganhar mais? Será que estabelecemos esse limite? Com quanto será que ficaríamos satisfeitos? Para a maioria, um milhão não é mais suficiente.

Atualmente a sensibilidade é cada vez mais desvalorizada, vista como fraqueza, as relações humanas estão sendo enfraquecidas, os vínculos são desvalorizados! As pessoas não se permitem viver sua tristeza, sofrimento e angústia, por isso adoecem. Os jovens, principalmente, não sabem mais resolver seus conflitos, tem cada vez mais dificuldade de se expressar, e os pais, cada vez mais, não sabem como dialogar com seus filhos...

Será que o estereotipo que a mídia vende é algo alcançável (pelo menos, para a maioria)? Pelo que vejo, o modelo estreitíssimo que é vendido é alcançado por quase ninguém. Será que isso não trás consequências? Será que isso não causa mais frustração, vazio existencial, sentimento de fracasso e inveja? Enquanto continuarmos tentando tampar o "vazio" afetivo pelo consumo, sim. A mídia vem formando nossa subjetividade e dizendo o que vamos DESEJAR. Nós vamos comprar: mas não porque precisamos, e sim porque desejamos. Notam a diferença?

Ouvimos frases como "Tá chateado? Vai fazer umas comprinhas que melhora." Esse tipo de comportamento não é saudável, porém, é "normal". E quando foi que começamos a aceitar o “errado” como “normal”?

Os outros estão se tornando "objeto de uso"... As pessoas passaram a preferir investir em objetos do que em outras pessoas... Não é preciso dizer que existem pessoas que escolhem seus parceiros de acordo com o nível social em que ele está inserido. Não é preciso dizer que pessoas escolhem suas amizades através dos mesmos critérios. Não é preciso dizer que a maioria das pessoas escolhe viver e trabalhar com aquilo que lhes paga melhor, não com o que gostam, com o que sonham e lhes dá prazer. Isso é visto e reconhecido por todos os lados, inclusive, constantemente se mostra através "da telinha".

Será que vale a pena deixar de estar ao lado de quem amamos de verdade, com amigos que tenhamos afinidade, trabalhando com algo que detestamos para vivermos uma vida mais fácil, mais "confortável" ou luxuosa, muitas vezes apenas baseada em aparência, para mostrar um status aos outros, quando no fundo, estamos infelizes?

Será possível que algumas pessoas não se deram conta ainda da miséria que nossa sociedade tem sido para a maioria da população mundial? Será que a sociedade está buscando resolver problemas trágicos como a fome, a mortalidade infantil, o analfabetismo, ou tais problemas se tornaram "tão comuns" que as pessoas deixaram de se preocupar, de falar sobre eles? Ou será que as pessoas estão preferindo não pensar a respeito, fechar seus olhos? Será que não é preocupante e alarmante a situação da sociedade elitista em que estamos? Como conseguimos nos manter parados, esperando alguma iniciativa a ser tomada?

Sabemos que para existir os ricos, é preciso existir os pobres, "e o motivo todo mundo já conhece: é que o de cima sobe, e o de baixo desce". Sabemos, e é óbvio, que essa elite rica e poderosa não teria interesse em uma população crítica, educada, questionadora... É muito mais fácil controlar pessoas alienadas.

A contemporaneidade é um fracasso absoluto. O capitalismo já mostrou que não funciona. Menos de 5% tem acesso a maior parte da economia mundial, é uma elite extremamente dominante. Problemas como desemprego, fome, violência, ignorância são simplesmente deixados de lado. A cultura é massificada e voltada ao consumismo desenfreado... Ninguém mais pensa, reflete sobre a realidade...

Que caminhos estamos seguindo? A desumanização? Ao empobrecimento existencial? A animalização? Parafraseando Descartes com seu "penso, logo, existo", eu diria que quem não reflete o que vive, não vive, não tem controle sobre sua própria vida, apenas segue um caminho ditado externamente. As pessoas vivem somente seu presente imediato, o passado logo se torna velho demais e o futuro parece que está sempre longe.

Na modernidade que vivemos vendem-se modelos, padrões de beleza que devem ser seguidos: FALTA RESPEITO AS DIFERENÇAS! Falta respeito a subjetividade de cada um. O que é diferente, diverso ou estranho é simplesmente excluído. As pessoas se acham no direito de julgar as outras... 

Precisamos refletir sobre nossa cultura, pois somos nós que a formamos. O que é certo? O que é errado? Depende da cultura. Os valores não existem, o que existe é essa cultura criada. Não existe certo, não existe errado, o que existe é um contexto. Quem inventou a moral? O que é a moral? O que é a realidade? Eu diria que é relativo. Cada cultura vê de uma forma. O ser humano é situacional. O mais importante não é o que a gente vê, mas como a gente enxerga. Por isso, não podemos trabalhar de forma fechada com tais conceitos do que é certo ou errado, é necessário, às vezes, uma desconstrução. Temos que aprender a relativizar, a não julgar as pessoas pelos nossos valores, pois isso é etnocentrismo e não há como comparar culturas diferentes. Precisamos mesmo é tentar rotular menos e entender mais. Quando o que vemos na TV são pessoas sendo rotuladas e estereotipadas o tempo inteiro, alguns rótulos são vistos como certos, e outros como errados. Será mesmo? Quem foi que disse?

O que será de nós se continuarmos seguindo nessa tendência de se criar uma cultura mundial, globalizada, uma só civilização, uma só língua? Abriremos mão da diversidade, da alteridade, da liberdade?

A maioria nem busca mais essas respostas. Temos que aprender a interpretar, ir mais além do que explicar. Temos que construir valores. Precisamos refletir a nossa realidade social e buscar mudanças, precisamos investir em nossa inteligência existencial.

Texto: Isabela França

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