Rodolfo Calligaris
Os povos cristãos vêm sendo instruídos, séculos pós séculos, que “nossos primeiros pais” haviam sido criados justos, inocentes e imortais, mas que, por haverem cedido à tentação demoníaca, desobedecendo a Deus, perderam o estado de graça, foram expulsos do éden, tornaram-se ignorantes, propensos ao mal, expostos a toda sorte de misérias e condenados a morrer.
Essa culpa, conquanto pessoal, não prejudicou apenas Adão e Eva. Transmitindo-se a todos os seus descendentes, por geração natural, danificou todo o gênero humano, que nascendo já estigmatizado pelo erro, jamais poderia salvar-se por si mesmo.
Deus, porém, apiedou-se dos homens e alguns milênios depois houve por bem enviar à Terra seu filho unigênito, Jesus-Cristo, para que pudesse oferecer-se como vítima expiatória e, assim, os libertasse da escravidão do demônio e do pecado, reconquistando-lhes o direito que tinham ao céu.
Em síntese, o que acima foi dito poderia ser resumido nestas duas proposições:
Adão e Eva pecam e a Humanidade é condenada.
Vem o Cristo, sofre o martírio da cruz e a Humanidade é salva.
Uma pergunta, então, se impõe:
Nesse jogo, qual o papel da Humanidade mesma, uma vez que tudo se realiza por substituição?
Temos, para nós, que a razão pela qual o Cristianismo não há produzido, até agora, tudo aquilo que de bom e de belo dele se deveria esperar, só pode ser atribuída a essa falsa idéia de que somos redimidos do pecado, graciosamente, “pelo sangue do cordeiro de Deus”.
Fosse isso verdadeiro, alcançassem os homens, realmente, a purificação por efeito da morte de Jesus, e o mal já devera ter desaparecido da face da Terra.
Não é tal, entretanto, o que se observa. A ambição, o orgulho, a vaidade, o roubo, a injustiça, o farisaísmo, a crueldade, os vícios e as paixões continuam a dominar grande parte das criaturas, impedindo seja estabelecido entre nós um clima de paz, de alegria e de fraternidade.
Enquanto supusermos que o “Cristo morreu por nós” e que “a efusão de seu sangue nos limpa de toda culpa”, sem empreendermos qualquer esforço sério no sentido de vencermos nossas fraquezas e imperfeições; enquanto não compreendermos, também, que o que Deus quer de nós não é “adoração”, mas trabalho de cada qual em benefício de todos, visando a eliminar A DOR pela AÇÃO, as coisas não se modificarão e o sofrimento continuará infelicitando indivíduos, famílias, comunidades e nações.
O Espiritismo, recusando fé à lenda da “queda do homem”, porquanto queda jamais houve, e sim evolução do homem das cavernas para o homem nômade e deste para o homem civilizado de nossos dias, o que torna insubsistentes as doutrinas da “expiação”, da “propiciação”, do “pecado original” etc., diz-nos, baseado nos ensinamentos do Evangelho, que “a cada um será dado segundo as suas obras” e que nossa felicidade, neste mundo ou no outro, depende da conquista da Virtude e da prática do Bem, ou seja, de nossos próprios méritos, erigindo, destarte, a responsabilidade pessoal em princípio fundamental de sua filosofia de vida.
Quando toda a Humanidade venha a pensar e a agir deste modo, então, certamente, a Terra se transformará no paraíso com que sonhamos.
(De “Páginas de Espiritismo Cristão”, de Rodolfo Calligaris)
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