Ainda dentro da linha de informar as pessoas sobre o que é a psicologia, resolvi falar um pouco mais sobre áreas pouco conhecidas e/ou entendidas dessa profissão. Estive conversando com o professor Klaus Bruno Tiedemann, que leciona a matéria Psicologia Sensorial e parte da matéria Percepção e Cognição para a graduação de psicologia na USP, e resolvi fazer uma pequena entrevista com ele. Costumeiramente ele dá uma perguntinha ao final de suas aulas, e em uma delas, quando eu era sua aluna, a pergunta foi “Porque os alunos de psicologia não gostam de estudar percepção?â€. É, realmente essa não costuma ser uma matéria popular entre os alunos, e estive refletindo sobre o porquê disso. Primeiro vamos ver o que professor Klaus me falou sobre o assunto:
CientÃfica Mente - Professor, quando alguém te pergunta o que você é, qual a sua resposta?
Klaus – Eu digo que sou psicólogo.
CientÃfica Mente - Você leciona duas matérias aqui na USP sobre percepção. Porque não se considera um psicólogo da percepção? Existe esse nome?
Klaus – Não, me considero um psicólogo especializado em comportamento, de modo geral, e o comportamento tem várias facetas. Uma delas é a percepção, é a parte sensorial, ou seja, a recepção de estÃmulos que vão gerar o comportamento. Eu não diria psicólogo da percepção, é apenas uma especialidade dentro da psicologia.
CientÃfica Mente - E como o senhor define psicologia?
Klaus - Psicologia envolve estudar o comportamento, ou seja, o software do ser humano, que é um animal.
CientÃfica Mente - E quem tem essa especialidade pode trabalhar em quê?
Klaus - Tem várias aplicações práticas, por exemplo, dentro da propaganda, dentro do design ligado à arquitetura, da ergonomia. Então, essa especialidade tem a capacidade de gerar uma atividade profissional.
CientÃfica Mente - Qual a importância de estudar esse tema, ou seja, percepção, dentro da psicologia?
Klaus - Primeiramente há uma importância histórica, porque a psicologia cientÃfica começou estudando a percepção, considerando-se seu inÃcio com Wundt no fim do século XIX. Até mesmo os filósofos gregos se interessaram pela percepção. Portanto, do ponto de vista histórico se trata de um tema importante. Do ponto de vista conceitual da psicologia também é importante porque todo comportamento é conseqüência da recepção de estÃmulos. A psicologia da percepção estuda esse primeiro elo do comportamento.
CientÃfica Mente – Não me esqueço de uma vez que o senhor passou em uma das suas perguntinhas do final das aulas o porquê de nós não gostarmos de estudar percepção. Você já encontrou uma resposta?
Klaus - Dentro do conceito de psicologia que a maioria das pessoas têm, a clÃnica é privilegiada. Ou seja, a visão de que há uma pessoa apresentando, por exemplo, um comportamento que não gostaria de ter, e o psicólogo seria aquele que ajudaria o indivÃduo a mudar esse comportamento. E um outro conceito comum em psicologia é de que ela atua no relacionamento entre pessoas. Os alunos de psicologia geralmente chegam com esses conceitos. O conteúdo dado na minha disciplina é, na visão dos alunos, muito árido. Há uma certa tensão, certo temor. Acho até compreensÃvel. Trata-se de algo diferente de outras matérias, em alguns pontos é mais cientÃfico, é diferente de opinião. Em clÃnica há mais essa questão da opinião, e do que a linha teórica prega. Em percepção não, há mais contato com outras áreas do conhecimento, como biologia, fÃsica, quÃmica. É um conhecimento mais fundamentado, nem sempre está de acordo com a psicologia clÃnica.
CientÃfica Mente – Mesmo sendo uma área tão diferente da clÃnica, que parece ser a que os alunos preferem, você acha que é válido eles estudarem percepção?
Klaus – Sim, claro, tanto pelo ponto de vista da história da psicologia quanto por estar ligada ao comportamento. Mesmo alguém que vá trabalhar com psicologia clÃnica precisa saber que o comportamento de uma pessoa está ligado a como os estÃmulos chegam até ela. Talvez não faça parte daquilo que o clÃnico vai tentar modificar, mas ele tem que estar consciente de que aquilo que ele tenta modificar tem uma causa, que pode estar ligada à percepção.
CientÃfica Mente – E quanto a alguém que queira fazer especialização nessa área, vai ficar restrito à pesquisa e à vida acadêmica?
Klaus – Não, claro que não. Tem emprego em agências de publicidade, empresas que se preocupam com design, tem várias opções de carreira. Eu mesmo já tive outras atividades profissionais. Já trabalhei com propaganda, com logotipos, com anúncios. Nesse campo, nós psicólogos trabalhamos em como as pessoas recebem esses estÃmulos, a legibilidade dos sinais. Por exemplo, na faculdade de Ribeirão Preto tem psicólogos trabalhando com sinais de trânsito. Qual cor, tamanho de letra, distância, como a informação está distribuÃda na placa. Cabe ao psicólogo ver se essas caracterÃsticas são apropriadas à s pessoas, se as informações estão sendo passadas de modo adequado à percepção humana. Os sinais de trânsito precisam ser passÃveis de serem apreendidos por nós, do contrário não têm função. Outros exemplos são o design do automóvel. É difÃcil fábricas de automóveis grandes não terem um psicólogo. Também tem design de salas de aula, de ambientes de trabalho. É importante saber as formas que são mais adequadas á percepção humana, tanto da cadeira em que se vai sentar, quanto da arquitetura da sala onde se vai trabalhar, viver.
Bom, queria agradecer muito ao professor Klaus pela colaboração. Queria também dar um pouco da minha opinião. Como já expressei aqui no blog, acho que há muita falta de informação sobre o que é a psicologia. Se ficarmos restritos a achar que psicologia é igual à atuação clÃnica, podemos deixar muita coisa legal de fora, por puro desconhecimento. E até mesmo falar que “isso não é psicologia†(já ouvi muito isso com relação a matérias como percepção).