Psicologia e Tortura: uma perigosa relação
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Psicologia e Tortura: uma perigosa relação


A Psicologia esteve e ainda está em grande evidência nos Estados Unidos nas últimas semanas. O motivo, infelizmente, não é nada positivo ou nobre. Tudo começou em 2014 quando o jornalista do New York Times James Risen publicou o livro "Pay Any Price: Greed, Power, and Endless War" [Pagando qualquer preço: ganância, poder e uma guerra sem fim], no qual acusava a Associação Psicológica Americana (American Psychological Association/APA), principal entidade representativa dos psicólogos norte-americanos, de contribuir com a tortura de prisioneiros políticos durante o governo Bush. Na época, a APA negou tal acusação, publicando uma nota explicativa em seu site. No entanto, a diretoria executiva da associação encomendou uma investigação independente para averiguar possíveis ligações de seus diretores e associados (cerca de 130 mil) com políticas e práticas de tortura - o que é proibido pelo código de ética da APA. Cabe ressaltar que tal proibição foi "flexibilizada" em 2005, quando a associação permitiu que psicólogos atuassem como "consultores" em interrogatórios, ou melhor, em "processos de coleta de informações relacionados com a segurança nacional".

A investigação, conduzida pelo promotor David Hoffman, foi concluída este mês com a publicação de um relatório de 542 páginas, que já vem sendo chamado de "Relatório Hoffman", cuja conclusão vai de encontro às expectativas da APA. De fato, o que o relatório expõe é que tanto dirigentes da APA (com destaque para o diretor do Departamento de Ética da entidade, Stephen Behnke) quanto diversos associados trabalharam ativamente junto a funcionários do Departamento de Defesa (DoD), do Pentágono e da CIA com o objetivo de legitimar ou facilitar a tortura de detidos políticos durante o governo Bush. Esta "facilitação" teria envolvido tanto a emissão de orientações éticas que endossaram a política de interrogatórios elaborada pelo DoD quanto a participação direta de psicólogos em "interrogatórios severos" (leia-se: tortura) na Baia de Guantânamo, em Abu-Ghrabi e em outros lugares. 

Como aponta o relatório, as agências do Governo "queriam, alegadamente, diretrizes de ética permissivas, para que os seus psicólogos pudessem continuar a participar em técnicas de interrogatório severas e abusivas, usadas por estas agências depois dos ataques de 11 de setembro". O documento aponta também que "o principal motivo da APA para agir desta maneira foi garantir favores do departamento de Defesa. Mas houve outros dois importantes motivos: criar uma boa resposta de relações públicas e manter o ilimitado crescimento da psicologia nesse âmbito". É interessante constatar, neste sentido, que, como aponta esta reportagem, cerca de 7% dos psicólogos associados à APA - ou seja, quase 10 mil profissionais - trabalham para o Departamento de Defesa dos EUA seja como clínicos, no atendimento aos veteranos de guerra, seja como investigadores - e mesmo interrogadores. 

Em resposta a este relatório, a APA afirmou que irá rever as suas políticas e proibiu seus psicológicos de participarem diretamente em interrogatórios. Além disso destituiu diversos diretores, dentre eles Stephen Behnke, considerado o “chefe” da conspiração entre a APA, o Pentágono e a CIA. Outros foram aposentados compulsoriamente, como o diretor executivo da APA, Norman Anderson, o subdiretor executivo, Michael Honaker e a chefe de comunicações, Rhea Farberman. A psicóloga e ex-presidente da APA, Nadine Kaslow, que coordenou a comissão investigadora independente, afirmou ainda: "O propósito da organização não foi permitir que fossem aplicados métodos abusivos de interrogatórios ou contribuir para violar os direitos humanos, mas estes foram os resultados". E emendou: "Lamentamos profundamente, e pedimos perdão pela conduta e as consequências que teve". Importante salientar que não é de hoje que psicólogos - teoricamente profissionais dedicados à saúde e ao bem-estar da população - se envolvem em atividades escusas e imorais.

No livro Ministério do Silêncio, o jornalista Lucas Figueiredo, aponta que muitos psicólogos brasileiros contribuíram, durante a ditadura militar brasileira, no treinamento de agentes do Sistema Brasileiro de Inteligência (SNI, hoje Abin) que espionavam e entregavam indivíduos supostamente subversivos para o DOI-CODI (órgão repressor do exército). Muitos destes corajosos rebeldes foram torturados e vários mortos. E nós demos a nossa contribuição para isso... E é triste constatar que ainda hoje, diversos psicólogos (e pior: a própria associação dos psicólogos!) estejam envolvidos em atividades escusas como essas. Espero que este escândalo envolvendo a APA contribua para o afastamento definitivo dos psicólogos de tais atividades e também para que o conhecimento psicológico seja utilizado para ajudar e nunca para prejudicar ou torturar qualquer ser humano.



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