O brasileiro nunca esbanjou tanto. Seja o garoto da quebrada cantando o funk ostentação vestindo Oakley e Lacoste, sejam os novos ricos que fazem seu enxoval em Miami e gastam os tubos em festas caríssimas em Nova York, sejam os jovens da geração Y largando tudo para dar a volta ao mundo e espalhando suas fotos pelo Facebook e Instagram. Em um universo recheado de redes sociais, o “esbanjamento” alheio está aí pra quem quiser ver.
Ver e invejar.
Será que nunca invejamos tanto também? Por que que nos incomodamos com o sucesso alheio – seja do lindo casal de artistas globais, seja do faminto que ganhando uma bolsa de 200 reais saiu da miséria? “No Brasil o sucesso é uma ofensa”, teria dito o maestro Tom Jobim. Talvez pela imensa desigualdade em que vivemos há tantos anos, dizer que se está bem se tornou um crime. Então, pra evitar a ostentação, madames e empresários se dizem “classe média”, enquanto políticos e famosos gostam de lembrar de “momentos difíceis”. Mas a moda parece ter mudado. Por que será? O psicólogo Waldemar Magoli tem um palpite: “Até a geração X a expectativa materialista forçava, equivocadamente, as pessoas acreditarem no “ter para ser”. Porém, com incapacidade capitalista para a redistribuição de renda, o ter foi ficando cada vez mais inviável. Neste momento surge a geração Y, desapegada dos vínculos, muito impaciente em obter resultados e com uma nova crença, igualmente equivocada, que é a do “aparecer para ser” e nesta direção que surgem as mídias sociais, dando a possibilidade para o indivíduo aparecer, mas como isso só não basta, os sintomas depressivos começam a surgir, mesmo com cinco mil amigos me seguindo no Facebook. Por isso, quando alguém conquista algo de fato, por inveja, a maioria fica com raiva…”
No entanto, ninguém assume a inveja publicamente. Como diz o historiador Leandro Karnal na palestra abaixo, dos demais “pecados capitais” (luxúria, gula, preguiça, etc) muita gente se orgulha e conta vantagem: somos “conquistadores”, “adoramos rodízio de pizza”, “dormimos até mais tarde’, mas quem tem coragem de curtir uma página no Facebook com o título “Eu sou invejoso”? A inveja é um pecado incofessável pois nos faz admitir que tem algo errado com a nossa vida. “Eu invejo sua esposa bonita ou seu carro novo” significa que de alguma maneira eu não estou feliz com a minha esposa ou com meu carro velho. A palavra inveja vem do latim “invidia” (não ver). Espécie de cegueira, a inveja faz com que invejoso não veja a si, a sua vida ou suas conquistas e fracassos; mas só a felicidade do outro. E é muito comum que comecemos a culpar o outro que invejamos pelo nosso fracasso. É mais fácil buscar um culpado pela nossa desgraça no outro do que buscar nos conhecermos melhor e entendermos nossas falhas.
“A inveja é relativa ao desejo de destruir o que o outro conquistou, porque no fundo o invejoso sabe que não seria capaz de conquistar o mesmo. Assim ele fica menos diminuído e, consequentemente, frustrado com sua incapacidade”, explica Waldemar. O psicanalista Otavio Dutra vai além: “A inveja é um sentimento que costuma afetar mais quem não está muito satisfeito com o que se é ou com a vida que se está levando. Mas é importante frisar que ninguém é desprovido deste sentimento.” Leandro Karnal diz que somos todos diferentes e que a “a inveja nasce dessa diferença”. Para Tomás de Aquino a inveja é “a felicidade pela tristeza alheia”.
A sabedoria popular diz que o que mais nos incomoda nos outros são coisas que não conseguimos resolver em nós. O conceito de sombra criado por Carl Jung trabalha um pouco com isso: “Um dos aspectos mais perigosos da sombra é ela ser projetada nos outros, e, assim, perceber como sendo de outra pessoa, aspectos desconhecidos de si mesmo. Por exemplo, achar as pessoas tristes insuportáveis, em vez de reconhecer dentro de si a própria infelicidade. Grandes moralistas muitas vezes estão tentando atacar fora deles o libertino que desconhecem, mas existe dentro deles mesmos. Em poucas palavras, a Sombra é formada por aquelas características que varremos para debaixo do tapete, formando as regiões desconhecidas de nós mesmos.”, explica Otavio.
Resumindo: para ser feliz, não inveje a felicidade alheia. A felicidade e infelicidade não estão no outro, nem em outro lugar. Estão dentro de você. O mundo não está conspirando para fazer sua vida pior. O leme da sua vida está em suas mãos. Pense menos no que os outros estão fazendo e falando e concentre-se em descobrir quem você é o que você pode fazer para tornar sua existência mais plena e feliz. A inveja cega. E impede que enxerguemos, inclusive, a nossa felicidade.