O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, é negro? A resposta depende de quando e para quem você perguntar.
Psicologia

O presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, é negro? A resposta depende de quando e para quem você perguntar.


A treze de maio
Fica decretado
Luto oficial na
Comunidade negra.
E serão vistos
Com maus olhos
Aqueles que comemorarem,
Festivamente,
Esse treze inútil. E fica o lembrete:
Liberdade se toma
Não se recebe
Dignidade se adquire
Não se concede
. (Éle Semog, 1979)






Por Kimberly McClain Da Costa*

Para alguns de nós, a proclamação de Obama como o primeiro presidente negro dos Estados Unidos parece pouco polêmica.

Mas não para outros. Uma escritora afro-americana famosa, Debra Dickerson, se opôs a chamar Obama de negro com base no argumento de que, por não ser descendente de escravos, ele não faz parte do grupo de pessoas que podem ser definidas como "negras".
Portanto, ele não é negro - de jeito nenhum.

Mas a maioria das pessoas que se opõem em se referir a Obama como negro, no entanto, aceita que ele é "parcialmente" negro, pelo lado paterno, mas diz que, por ter uma mãe branca, não é "preciso" chamá-lo de negro. Ele é, "na verdade", mestiço, dizem.


Argumentos contrários

A minha primeira reação a questões sobre se a classificação racial de Obama é "correta" ou "precisa" é duvidar da premissa da questão. A busca pela identidade racial "correta" assume que uma resposta definitiva pode ser encontrada.

Assume que raça é uma entidade real, algo fixo ou natural. Parece negar o que acadêmicos vêm tentando demonstrar por décadas - que os critérios usados para classificar as pessoas em categorias raciais, as categorias usadas em uma determinada sociedade e os usos feitos dessas categorias variam de um lugar para outro e de uma época para outra. Eles são, como os acadêmicos gostam de dizer, "construídos socialmente".

Mas as preferências dos acadêmicos parecem não satisfazer aqueles que afirmam saber qual a raça de Obama, porque essas afirmações são sobre o que essas pessoas pensam que Obama deve ser.
Quando as pessoas insistem que Obama "é" negro, elas apontam para o fato de que ele se autodenomina como tal e para o fato de que quando a maioria olha para Obama, vê um homem negro.
Chamá-lo de "negro" parece reconhecer a conexão entre seu sucesso e a luta de um povo.
Quando outros afirmam que Obama "é" mestiço, apontam para o fato de que ele tem uma mãe branca, não apenas um pai negro, e foi criado em uma família inter-racial.
Chamá-lo de "mestiço" parece reconhecer essa família, oferecendo uma correção a séculos tentando negar nossas misturas.


Outros tempos

O que eu considero mais interessante sobre a questão de qual rótulo racial dar a Obama é o fato de que estamos fazendo essa pergunta.
Há apenas 20 anos, a questão sobre a posição racial de Obama estaria respondida mesmo antes de ser formulada.
Seguindo uma regra (a prática de categorizar como negro qualquer um com uma descendência africana), a identificação de Obama como negro seria esperada, aceita e pouco notada.
A pessoa sugerindo que Obama fosse classificado como mestiço seria vista com suspeita ou confusão - "o que é isso?", pensariam - já que, em grande parte da história americana, em muitos locais, a identidade mestiça não foi coletivamente reconhecida.

Nos últimos 20 anos, no entanto, os esforços coletivos de pessoas mestiças de tentar conseguir um reconhecimento público de tal identidade têm sido relativamente bem-sucedidos. O governo americano, por exemplo, agora enumera identidades mestiças.


Contradições

Mesmo assim, a questão se Obama é negro ou mestiço reflete uma falta de compreensão básica sobre a experiência daqueles que cresceram em famílias inter-raciais, especialmente aqueles - como eu - de origem africana, nascidos depois da conquista dos direitos civis.

Nós - eu tenho um pai afro-americano e uma mãe irlandesa-americana - fomos criados nas linhas de frente da mudança racial, em que as novas regras sobre intimidade inter-racial muitas vezes iam de encontro com as velhas, tanto em público como em nossas próprias famílias.
O afeto que estávamos acostumados a demonstrar a nossas mães brancas em casa atraía olhares, e mais, tanto de brancos como de negros em público.


Era dentro das nossas famílias que sentíamos amor e proteção assim como a primeira picada do preconceito racial.
E muitos de nós produzíamos uma identidade negra, que não ia de encontro ao fato de sermos mestiços, mas surgia das nossas experiências como um povo mestiço: da consciência de que o dilema racial no qual nascemos tem suas raízes em um preconceito anti-negro.
Para nós, ser negro e mestiço não se excluem. Nós aprendemos a viver com as contradições.
Talvez seja a hora de as outras pessoas aprenderem a fazer o mesmo.

*Kimberly McClain Da Costa é professora de Estudos Africanos e Afro-Americanos da Universidade de Harvard


fonte:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/11/081118_obamablack_mp.shtml




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