E é neste sentido que, ainda na primeira parte do livro, Stossel tenta definir este fenômeno, recorrendo para isso a textos de filósofos, psicólogos, psiquiatras e neurocientistas. Obviamente, como em qualquer outro tema, não há consenso. Exatamente por isso o autor se propõe a apresentar e debater diversas controvérsias relacionadas ao tema da ansiedade. Eis algumas delas: seria a ansiedade algo "natural", que acompanha o ser humano desde sempre, ou algo "produzido" pela civilização moderna? Neste sentido, poderÃamos dizer que a ansiedade é tipicamente humana ou também os animais podem ser ansiosos? Outra controvérsia bastante debatida pela autor, é se a ansiedade é (ou em que medida é) algo patológico. Com relação à esta questão o autor traça um percurso de como a ansiedade (ou o seu "excesso") passou, a partir de determinado momento, a ser considerada uma patologia. Segundo Stossel, a partir do DSM-III, publicado em 1980, surge a categoria diagnóstica "transtorno de ansiedade", que não constava nas edições anteriores da "BÃblia da psiquiatria". Anteriormente, o que hoje chamamos de ansiedade ou de transtorno de ansiedade foi chamado por muitos outros nomes. Na verdade isto é de certa forma equivocado de afirmar, pois não dá para dizer que o que no final do século XIX os médicos chamavam de "neurastenia" é o mesmo que o que hoje chamamos de "transtorno de ansiedade". Muito embora alguns dos sintomas descritos sejam comuns, trata-se de categorias diagnósticas muito distintas (e é exatamente por esse motivo que sempre acho equivocado diagnosticar pessoas do passado com categorias do presente, como por exemplo, ao afirmarmos que Platão ou Darwin eram bipolares).
Outra controvérsia debatida por Stossel - que muito me interessa - diz respeito à afirmação de alguns neurocientistas de que as modernas tecnologias de neuroimagem, como a ressonância magnética e a tomografia magnética, poderiam ajudar na diferenciação entre ansiedade normal e ansiedade patológica (da mesma forma que uma radiografia ajuda na distinção entre uma fratura de tornozelo e uma torção). Segundo o autor, tal afirmação não se sustenta. E o motivo é relativamente simples. Como aponta Stossel, algumas pessoas, diante de estÃmulos indutores de estresse, exibem sinais fisiológicos indicadores de ansiedade (por exemplo, as amigdalas ficam mais ativadas) mas afirmam que não estão se sentindo ansiosas. E é neste sentido que o autor afirma: "Quando uma radiografia mostra um fêmur fraturado e o paciente não relata dor, o diagnóstico médico ainda é de fratura de fêmur. Quando uma tomografia mostra intensa atividade nas amigdalas e nos gânglios basais, mas o paciente não relata ansiedade, o diagnóstico é... nenhum". Isto só confirma o que eu já disse em outro momento: que a Psiquiatria (e, evidentemente, a Psicologia) nunca poderá prescindir ou abrir mão da subjetividade. Posso estar enganado, mas acredito que nenhum exame objetivo (seja de cérebro ou de sangue) jamais substituirá uma avaliação clÃnica bem feita. Isto significa também que a ansiedade (ou a tristeza ou a raiva) não é simplesmente um "problema" cerebral, mas algo que afeta e é afetado pela pessoa como um todo em sua relação com o mundo.
Já na terceira parte, que considero a mais interessante, Stossel analisa a relação entre medicações e ansiedade. Embora ele próprio tenha tomado e ainda tome uma grande quantidade de remédios psiquiátricos na tentativa de controlar sua ansiedade, Stossel critica a visão de que a ansiedade é um "problema" neurológico que deve ser tratado exclusivamente com medicações. Como questiona em determinado momento,
"Por acaso minha ansiedade pode mesmo resumir-se à eficácia com que meus canais de Ãons cloretos funcionam ou à velocidade dos disparos neuronais em minha amigdala? Bem, sim, num certo nÃvel, pode. Os Ãndices de disparo na amigdala correlacionam-se de forma bastante direta com a sensação de ansiedade. Entretando, dizer que minha ansiedade seja redutÃvel aos Ãons em minha amigdala é tão limitador quanto dizer que minha personalidade ou minha alma é redutÃvel à s moléculas que constituem meu cérebro ou aos genes que levaram a elas".
Da mesma forma, o autor tece fortes e contundentes crÃticas à atuação da indústria farmacêutica na construção da teoria do desequilibrio quimico, que apregoa que os transtornos mentais seriam causados por um "desequilibrio quimico" no cérebro das pessoas - especialmente no nÃvel de seus neurotransmissores. Nesse sentido, Stossel analisa em detalhes a construção do diagnóstico de Transtorno do Pânico, que, segundo o autor, "foi a primeira doença psiquiátrica cuja criação teve como fator determinante a reação a um fármaco: a imipramina cura o pânico; por conseguinte o transtorno do pânico tem que existir". Outros transtornos psiquiátricos, como o Transtorno de Ansiedade Social e o ainda controverso Transtorno de Ansiedade generalizada, teriam sido criados da mesma forma.
Ao mesmo tempo, Stossel não condena ou descarta totalmente o uso de medicações. Sua posição, nesta e em outras polêmicas, é bastante moderada e conciliadora. Como aponta em determinado momento,
"Os medicamentos, como muitos estudos indicam, podem funcionar - em parte do tempo, com algumas pessoas, à s vezes com horrÃveis efeitos colaterais, sintomas de abstinência terrÃveis e problemas de dependência. E na verdade não sabemos que danos a longo prazo estão causando em nosso cérebro. E, de fato, as empresas farmacêuticas e as seguradoras ampliaram ou distorceram de maneira artificial as categorias de diagnóstico. Mas posso garantir, com minha autoridade pessoal, conquistada a duras penas, que há aqui um sofrimento emocional legÃtimo, que pode ser muito incapacitante, suscetÃvel de alÃvio proporcionado por esses fármacos, à s vezes só um pouco, à s vezes de maneira profunda".
Em outro momento, de forma ainda mais contundente, afirma (e eu concordo 100% com ele):
"Os fármacos psiquiátricos funcionam - para algumas pessoas, em certas situações, à s vezes. Seria cruel negar aos esquizofrênicos a remissão quÃmica de delÃrios psicóticos, ou ao paciente bipolar o alÃvio farmacológico de suas manias perigosas ou de suas depressões avassaladoras - ou impedir que a pessoa destruÃda pelo pânico e aprisionada em sua casa busque alguma proteção médica contra a ansiedade. Creio que se pode ser cético com relação à s alegações da indústria farmacêutica, preocupado com as implicações sociológicas de uma população tão medicamentada e sintonizado com os custos existenciais envolvidos no uso de fármacos psiquiátricos, mas não se opor ao uso judicioso dessas substâncias".
No restante do livro, o autor apresenta e analisa uma mirÃade de questões relacionadas ao tema da ansiedade. Não gostaria de cansá-lo apresentando o livro capÃtulo por capÃtulo. Gostaria simplesmente de salientar que, caso se interesse por esse tema - e se você é psicólogo clÃnico acredito que irá se interessar, pois tenho certeza que queixas de ansiedade são frequentes em seu consultório - esqueça aquela besteira que é o best-seller "Ansiedade: como enfrentar o mal do século", escrito pelo Augusto Cury (que segundo esse texto, ele próprio, é o mal do século) e aventure-se neste livro fantástico de Stossel. O caminho é mais longo, afinal são mais de 500 páginas, mas tenho certeza que você não irá se arrepender.
Update 09/12/14: O psiquiatra Daniel Martins de Barros, em seu blog, fez uma analise igualmente entusiasmada do livro Meus tempos de ansiedade. Disse ele: "Misturando relato pessoal, pesquisa cientÃfica e história cultural, o livro lançado no Brasil pela Cia. das Letras é talvez o mais completo e abrangente trabalho leigo sobre os transtornos ansiosos".
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O que nos remete o estado de ansiedade?
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Vou sintetizar, escrevendo o que seria ansiedade.
A ansiedade realista é quando o perigo se mostra real (morte, por exemplo) pois...
Você tem medo de dirigir ou medo de ser julgado, de ser criticado, ou de errar?
Em qual situação você se enquadra?
Sofreu algum trauma? Não? E mesmo assim não consegue?
Fica constrangido quando um amigo ou mesmo um desconhecido, te pergunta...você...