Existe uma história grega sobre uma personagem chamada Atlas. Ele seria o responsável por sustentar o orbe terrestre sobre seus ombros, e teve esse castigo imputado por Zeus porque tentou, com outros Titãs, dominar o Olimpo.
Essa história, como muitas outras da mitologia, serviu por um bom tempo como explicação. Mas ao ler a história, fica a pergunta: se Atlas sustenta a Terra e os céus, onde está apoiado? Deveria haver algo que o sustentasse. Algumas versões dessa história dizem que ele estaria sobre o casco de uma tartaruga gigantesca. Contudo, isso só faz retroceder o problema a outro ponto, que é saber onde a tal tartaruga estaria apoiada. E assim sucessivamente, ad infinitum.
Uma analogia dessa história é utilizada comumente na filosofia da mente. Há quem diga, no senso comum, que na mente existe um “ser†que é capaz de receber as informações dos sentidos, processar as informações, captar as imagens dos olhos, registrar os eventos na memória, em suma, uma espécie de “pessoazinha†que gerencia as informações. Bem, aqui cabe a pergunta: se existisse uma “pessoazinha†assim comandando nossa mente, quem comandaria o que essa “pessoazinha†pensa? Porque ela deveria ter uma mente para pensar, processar as informações; também deveria ter memória para acionar os “comandos†mentais para registrar a nossa memória, ter um aparato sensorial para identificar se uma informação é um estÃmulo sensorial ou pensamento, e assim por diante. Então, ela teria uma “pessoazinha†dentro da cabeça dela? E até onde isso retrocederia?
Fica claro que essa explicação é insuficiente. Por mais que não saibamos bem o que faz com que tenhamos uma mente, temos que admitir que o aparato neural é a base da mente. A não ser, claro, que façamos uma opção – não tão diferente da explicação dada ao apoio de Atlas – de explicar o pensamento humano por outra entidade mÃtica, que é a alma.
Considerar a alma como sede da vontade, do pensamento e dos sentimentos é assumir um ônus que a ciência não tem como pagar. Por exemplo, supondo que a alma é a sede dos pensamentos, de que ela seria feita? Seria imaterial, diriam alguns; mas agora ainda persiste a pergunta feita anteriormente (Corpo e mente, de 29 de junho de 2007): se é imaterial, como ela influenciaria os neurônios? Neurônios são fÃsicos, portanto necessitam de uma base fÃsica para que sejam influenciados. Isso gera mais transtornos do que explicações, e o pior de tudo é que estarÃamos totalmente no terreno da metafÃsica, e não no campo da ciência.
Outros, lançando mão de argumentos pseudo-cientÃficos, diriam que a alma é energia, e a energia pode influenciar a matéria porque é uma outra face desta. Há uns 300 ou 400 anos se diria que a alma era uma quintessência (ou seja, uma essência não-material, pois o conceito de energia ainda não havia sido sistematizado) ou um éter (igualmente algo não-material e não-identificável, cuja existência foi refutada por experimentos no inÃcio do século XX). Hoje ainda há quem defenda a existência de um éter, mas não vou entrar nessa discussão: quero assinalar que dizer que a alma é feita de energia é usar de um mecanismo psÃquico já explicado pela Gestalt: se duas coisas possuem alguma propriedade em comum, são percebidas como relacionadas (princÃpio da semelhança). Então, se a energia é algo invisÃvel, e a alma é algo invisÃvel, seria legÃtimo concluir que ambas possuem uma natureza em comum; daà a considerar que a alma é energia é um passo curto.