Psicologia
As contribuições da Etologia para a Psicologia
A Etologia é uma ciência recente com origem na Europa por volta de 1930, cujos fundadores são Konrad Lorenz e Nico Tinbergen. Em 1973 os dois receberam o prêmio Nobel de Medicina por suas descobertas e pressupostos para explicar o comportamento animal. Porém, bem antes disso, Darwin foi um etólogo antes mesmo da palavra ter
sido inventada. Uma preocupação básica da Etologia é a evolução do comportamento através do processo de seleção natural, e Darwin, em seu livro A origem das Espécies, dedica um capÃtulo ao instinto, em que formula a hipótese de que “todos os instintos mais complexos e maravilhosos†se originaram através do processo de seleção natural, tendo preservado as variações continuamente acumuladas que são biologicamente vantajosas. Darwin acreditava que não apenas os órgãos evoluÃam, mas que aquisições mentais gradativas também ocorriam.
O termo ethos deriva do grego e significa “da natureza da coisaâ€. A Etologia é a ciência das relações comparadas do comportamento animal, o que inclui também os humanos. Tem como princÃpio a concepção de que, assim como órgãos e outras estruturas corporais, o comportamento é produto e instrumento do processo de evolução através da seleção natural. Assim, o comportamento é produto da evolução filogenética, pois tem função adaptativa (afeta o sucesso reprodutivo) e possui algum grau de determinação genética. As quatro perguntas básicas dos etólogos, que irão orientá-los em seu trabalho, são: como o comportamento se desenvolve ao longo da vida do indivÃduo? (ontogênese)? Qual é a causa? (fatores causais próximos); Como se desenvolveu no decorrer da história evolucionária? (filogênese) e qual o motivo pelo qual teria sido selecionado naturalmente? (causa final). São conhecidas como os quatro “por quês†de Tinbergen.
Por exemplo, o comportamento de mamar em humanos seria analisado sob a perspectiva etológica da seguinte forma: como o comportamento de mamar surge e vai se desenvolvendo no bebê? O que faz o bebê mamar? (Fome, estÃmulos visuais, olfativos, táteis etc); como o comportamento de mamar se desenvolveu nos mamÃferos? E porque esse comportamento teria sido selecionado, qual a vantagem adaptativa que ele traz?
A metodologia da Etologia põe ênfase na observação e na descrição detalhada do comportamento, na situação mais natural possÃvel. Observa-se como o animal vive em seu ambiente.
Qual seria a utilidade de um pensamento biológico, como o da Etologia, para a Psicologia? O objeto da Psicologia, de um modo geral, é o ser humano. E nós, seres humanos, somos seres biológicos e sociais concomitantemente. A integração das perspectivas biológicas e sociais é necessária para compreender o fenômeno humano. Nenhuma das visões (biológica e social), sozinha, é capaz de explicar o ser humano. A teoria da Evolução, utilizada pela Etologia como pressuposto teórico, pode ampliar a compreensão das causas do comportamento humano.
A Psicologia, de modo geral, se foca mais nos estudos de causa próxima, correspondentes aos primeiros dois “por quês†da Etologia. A importância das explicações últimas (evolução filogenética) pode ser útil no estudo do comportamento no sentido de: escolher variáveis independentes para o desenvolvimento de modelos e teorias envolvendo a análise comparativa entre espécies; compreender os fatores do ambiente que podem modular o comportamento; determinar quais variáveis serão consideradas como causa e quais serão consideradas como efeitos; descobrir explicações com grande poder de generalização. Para Eibl Eibesfeldt, o estudo com animais fornece hipóteses para se analisar questões do ser humano como, por exemplo, de que modo os genes e a cultura atuam no homem.
Além disso, o estudo comparado com outros animais é muito rico. Nossa pretensão humana muitas vezes faz com que nos consideremos o ápice da evolução. Vemos as nossas caracterÃsticas como únicas e superiores. O estudo do comportamento dos outros animais nos tira dessa posição, pois vemos que não somos tão especiais assim, ou melhor, se somos, todos os animais são. E vemos que muito do que é humano já está presente em muitas outras espécies, o que é material importante para traçarmos as relações entre genética e cultura.
O comportamento de qualquer animal sofre influências ambientais e biológicas. Em se tratando do ser humano, a superação da divisão biológico/cultural é especialmente necessária; pois se deve buscar compreender o comportamento humano na interação complexa de fatores biológicos e culturais. A Etologia tem como pressuposto essa interação, e compreende que qualquer predisposição biológica –comportamental, anatômica, fisiológica, etc- é moldada pelo ambiente-fÃsico e social. Na Etologia, supera-se a dicotomia instinto versus aprendizagem (nature x nurture).
O ser humano apresenta grande capacidade de aprender, contudo essa aprendizagem não ocorre de forma aleatória. As origens do comportamento não estão somente no nascimento ou mesmo durante a vida intra-uterina, mas também durante a nossa história filogenética (estudo do nosso ambiente de adaptação evolucionária). O que somos é resultado de nossas predisposições biológicas, de nossa história individual e cultural. Homens e mulheres apresentam diferentes estratégias em relação ao comportamento reprodutivo. Bebês tendem a prestar atenção em estÃmulos que apresentam caracterÃsticas semelhantes à face humana. São mais sensÃveis a sons parecidos com a voz feminina terna. Existem diferenças sexuais no modo de brincar de meninos e meninas e preferências para interagir com parceiros de mesmo sexo já a partir dos três anos de idade. Meninos e meninas tendem também a manter proximidade com adultos de mesmo sexo.
O significado adaptativo dessas predisposições tem importância crucial para se compreender a infância, a relação mãe/pai/bebê, as relações entre homens e mulheres, a sexualidade humana e outros aspectos do comportamento social e de habilidades cognitivas. Além disso, pode-se compreender as predisposições biológicas para o ser humano desenvolver a cultura, pois somos seres “biologicamente culturaisâ€. O estudo de pessoas vivendo em sociedades caçadoras-coletoras (nosso ambiente de adaptação evolucionária) e de primatas não-humanos é importante, pois ajudam o etólogo a compreender as origens biológicas do comportamento humano. Conceitos como a estampagem (imprinting) e perÃodo sensÃvel, derivados de estudos com animais, têm sido amplamente usados na discussão sobre as conseqüências do que ocorre ao longo do desenvolvimento infantil na vida adulta e na compreensão do desenvolvimento em si.
A observação e a descrição do comportamento em situações naturais ou semi-naturais de laboratório tem sido a grande contribuição da Etologia em relação a metodologia e estudo empÃrico do comportamento humano. O objetivo é compreender o comportamento integrado ao seu ambiente evolucionário e atual. No caso da aprendizagem, por exemplo, devemos inserÃ-la em um contexto ecológico. Devemos perguntar quais são os problemas comportamentais que o indivÃduo deve resolver em sua adaptação em seu ambiente e como ele faz uso da aprendizagem para resolvê-lo. Contudo, como qualquer área do conhecimento, a Etologia também apresenta limitações.
Certamente a intenção do etólogo não é reduzir o comportamento humano a explicações de cunho biológico. Contudo, a busca de soluções será mais efetiva e consistente se considerarmos também o nosso passado evolutivo. A interação e o diálogo da Etologia com outras ciências, como Antropologia e Sociologia é importante para que a dimensão do comportamento humano fique mais clara. Os enfoques etológicos, psicológicos e sociais não são excludentes, mas sim complementares. Nós não somos seres exclusivamente biológicos e nem puramente culturais, “temos aptidão natural para desenvolver a cultura e aptidão cultural para desenvolver nossa biologiaâ€.
Referências
BOWLBY, John. Abordagem etológica da pesquisa sobre desenvolvimento infantil. In: Formação e rompimento dos laços afetivos. Cap. II, p. 23-40.
BUSSAB, V. S. H.; Ribeiro, F. J. L. Biologicamente Cultural. Em M. M. P. Rodrigues, L. Souza, & M. F. Q. Freitas (Eds.), Psicologia: reflexões (in)pertinentes. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998.
Editora Unesp. Os fundamentos da Etologia. DisponÃvel em: http://editoraunesp.com.br/index.php?m=1&codigo=103.
VIEIRA, Mauro L. Contribuições da Etologia para a compreensão do comportamento humano. 2005.
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