Reproduzo abaixo uma interessantÃssima entrevista realizada pelo jornal Folha de S. Paulo com o jornalista Ethan Watters sobre seu livro "Loucos como nós: A globalização da psiquê americana", infelizmente ainda não lançado no Brasil.
LOUCURA GLOBALIZADA
JanaÃna Lage
A influência americana sobre o comportamento do globo não está restrita à s cadeias de fast food, aos filmes ou à s fábricas de tênis. O paÃs está exportando também sua maneira de ver e tratar as doenças mentais, conforme a tese do jornalista e escritor Ethan Watters. No livro "Crazy Like Us: The Globalization of the American Psyche" (Loucos Como Nós: A Globalização da Psique Americana), Watters dá exemplos do avanço de doenças como anorexia, esquizofrenia, depressão e estresse pós-traumático em locais como China, Japão, Sri Lanka e Zanzibar. O autor mostra como surgiram alguns dos primeiros episódios de anorexia na China: após a divulgação de um caso, especialistas ocidentais apresentaram em entrevistas os sintomas clássicos da doença nos EUA e rapidamente o distúrbio, nos moldes americanos, se popularizou no paÃs. Em entrevista à Folha, Watters conta como as fabricantes de remédios se beneficiam desse processo. No Japão, uma só empresa vendeu mais de US$ 1 bilhão em antidepressivos em 2008. Antes, a doença era considerada rara no paÃs.
FOLHA – O que o levou a se interessar por doenças mentais?
ETHAN WATTERS – Na década de 1990, escrevi um livro com Richard Ofshe sobre a controvérsia em torno da recuperação da memória. A psicoterapia americana havia levado mulheres a relembrar abuso na infância. As memórias não eram precisas. Em alguns casos, os fatos nunca ocorreram. O livro falava sobre a manipulação de memórias. A expressão da doença mental é moldada pelo ambiente, pelo indivÃduo e também pelo responsável pelo tratamento. Quais sintomas são legÃtimos em cada época? Comecei a pensar sobre a globalização e sobre como os EUA são responsáveis por categorizar essas doenças e preconizar seu tratamento.
FOLHA – Quem se beneficia?
WATTERS - As fabricantes de remédios são as que mais se beneficiam, ao fazer com que o mundo pense de uma mesma forma sobre doenças mentais. Elas apresentam o cadeado e mostram a chave. Claro, muitas pessoas avaliam que as doenças mentais devem receber tratamento semelhante em qualquer lugar. Há um elemento bioquÃmico que persiste, apesar das diferenças culturais. O que discuto é que, quando você desconsidera os aspectos culturais, deixa de apreciar particularidades, como a capacidade de se adaptar a mudanças.
FOLHA – O sr. dá o exemplo da anorexia em Hong Kong, que originalmente não estava ligada ao medo de engordar. Se os sintomas não são iguais, qual é a validade do diagnóstico para o doente?
WATTERS – Se houvesse um medicamento com um único modo de ver a anorexia, faria sentido ter um diagnóstico único. Não existe um padrão único para a doença. A esperança é entender os indivÃduos que apresentam a doença, o ambiente e sua cultura. A solução única para os casos é problemática.
FOLHA – Quais são as consequências dessa homogeneidade?
WATTERS – Vamos perder as formas de tratamento de doenças mentais existentes em diferentes culturas. Não estamos só exportando nossas ideias para o resto do mundo e as impondo. O resto do mundo tem fome de ideias do Ocidente. Se nós exportamos nossos modelos de tratamento e medicamentos, podemos perder informações sobre o ser humano e sua complexidade que seriam benéficas para todos nós.
FOLHA – Mas as demais culturas assimilam passivamente o que os EUA pregam em termos de tratamento?
WATTERS – Não. Há sinais de retrocesso na farta disseminação de antidepressivos no Japão. Já existem psiquiatras questionando o uso indiscriminado. Perguntei a pesquisadores sobre o efeito dessa polÃtica de exportação de tratamento e a resposta é que isso é inevitável. Minha esperança é que isso possa ser conciliado com um entendimento local dos casos.
FOLHA – No livro, o sr. relata como a descrição de casos públicos de doenças contribuem para a sua popularização, a partir da identificação do público com os sintomas. O sr. cita a entrevista de Lady Di sobre bulimia e o crescimento posterior no número de casos. Isso não é inevitável?
WATTERS – É complicado, trata-se de um processo inconsciente. Os jornalistas são uma parte crÃtica dessa equação. Onde começa a responsabilidade de narrar histórias sobre novas doenças? Não digo que se deve reter informação, mas não é uma resposta simples. Se considerarmos tópicos tabus, como o suicÃdio, há regras. Deveria haver um cuidado similar com as doenças mentais. É preciso que editores e repórteres discutam, quando vão descrever um novo tipo de comportamento autodestrutivo. Existe incidência significativa? É uma discussão válida.
FOLHA – O sr. mostra como os psiquiatras que chegaram ao Sri Lanka logo após o tsunami não levaram em conta as necessidades locais, mas achavam que estavam fazendo o melhor ao oferecer tratamento para estresse pós-traumático.
WATTERS – A mensagem que eles apresentaram é que detinham o aparato e a experiência para entender o que aconteceu, e que a população precisava do conhecimento ocidental. É uma mensagem destrutiva. Existem crenças próprias e uma capacidade de superação na cultura local que ajudam a lidar com essa situação. É uma ideia particularmente americana, a de que somos capazes de entender o significado do estresse pós-traumático.
FOLHA – O sr. encontrou algum exemplo recente na América do Sul?
WATTERS – Encontrei o aumento do consumo de antidepressivos na Argentina, em um cenário de hiperinflação. Os anúncios sugeriam que era um tempo de ansiedade e as pÃlulas deveriam ser usadas para suportar o ambiente econômico. A América do Sul já sofre uma grande influência sobre doenças mentais, não só dos EUA como da Europa.
FOLHA – Após a explosão da crise, esse aumento de vendas está mais visÃvel em outros paÃses?
WATTERS – Quando estava terminando o livro, houve a explosão da crise, e quase instantaneamente vi empresas tentando vender remédios contra suicÃdio e depressão. A instabilidade econômica pode levar a um aumento da ansiedade, mas a questão do livro é que não há um jeito único para o ser humano expressar psicopatologias. A crise pode aumentar a incidência, mas a mente humana e a consciência agem de maneiras distintas.
VIDEO
loading...
Está em processo de elaboração, por "renomados cientistas", a quinta versão do DSM, ou seja, do Manual Diagnóstico e EstatÃstico dos Transtornos Mentais. Para quem não conhece, trata-se do catálogo oficial (ou podemos chamar de...
O transtorno do estresse pós-traumático (TEPT) é um distúrbio da ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas fÃsicos, psÃquicos e emocionais em decorrência de o portador ter sido vÃtima ou testemunha de atos violentos...
O nome talvez não soe como conhecido. Mas o cartaz publicado em 2007 em plena semana de moda em Milão, com a assinatura do fotógrafo italiano Oliviero Toscano, em que a atriz e modelo francesa Isabelle Caro posava nua e cadavérica,...
Seguindo os problemas apontados na postagem anterior, que mencionou que antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) não seriam mais eficazes do que placebo, outro tema merece uma atenção cuidadosa pelos profissionais...
A anorexia é um transtorno alimentar caracterizado pelo medo que o paciente tem de ganhar peso. Esse medo pode provocar problemas psiquiátricos graves. A pessoa anoréxica se olha no espelho e se vê obesa, embora esteja extremamente magra....