Sobre o novo livro do Dr. Yalom: Criaturas de um dia
Psicologia

Sobre o novo livro do Dr. Yalom: Criaturas de um dia


Maravilhoso o livro novo do escritor e psicoterapeuta Irvin Yalom, "Criaturas de um dia", recém-lançado pela editora Agir. Se você não leu nada do escritor até hoje, está é uma ótima oportunidade para adentrar em sua obra. Agora, se você, como eu, já ama os livros (e a pessoa) do Yalom, então eu aposto que você não vai se decepcionar. Na mesma linhagem de outros livros sensacionais como Mamãe e o sentido da vida, O carrasco do amor e De frente para o sol - e dialogando também com Desafios da terapia - "Criaturas de um dia" traz dez maravilhosas histórias de terapia. São histórias simples porém profundas, contadas com sua honestidade e sensibilidade particulares - que transparecem mesmo em seus romances (para constatar basta ler Quando Nietzsche chorou, A cura de Shoppenhauer ou Mentiras no divã). Sério, ainda está para nascer um escritor com o talento de Yalom para retratar a profundidade que é o processo psicoterapêutico. Ninguém faz isso como ele. Alguns tentam, como faz o argentino Gabriel Rolón com relativo sucesso (recomendo, neste sentido, seus livros Palavras cruzadas e Histórias de divã), mas poucos possuem a sensibilidade, e mesmo a humanidade, de Yalom. 

Em seu novo livro, o autor, atualmente com 86 anos, traz à tona, como já havia feito no maravilhoso De frente para o sol, o tema da morte. Contemplando a própria morte e a de seus pacientes - vários portadores de doenças terminais - o autor faz uma profunda e necessária reflexão sobre a vida. O próprio título do livro trata desta questão e se refere a um trecho das Meditações de Marco Aurélio que afirma o seguinte: 

"Somos criaturas de um dia, tanto os que lembram quanto os que são lembrados. 
Tudo é efêmero, tanto a lembrança quanto o objeto da lembrança.
Em breve você terá esquecido o mundo e o mundo o terá esquecido. 
Nunca esqueça que logo você não será ninguém nem estará em lugar nenhum". 

As histórias retratadas no livro são protagonizadas, em grande parte, por indivíduos que se encontram em profundos dilemas na vida, alguns relacionados à proximidade com a morte. É difícil não se identificar. Mas o autor não se limita a reproduzir o diálogo entre paciente e terapeuta, oferecendo ainda preciosas dicas e reflexões para terapeutas. Em certo momento, refletindo sobre a impossibilidade de se descobrir como uma terapia funciona, Yalom afirma: 

"Nós, terapeutas, lutamos intensamente pela precisão em nosso trabalho e aspiramos a ser empiristas bem-afinados, tentando oferecer soluções precisas para elementos rompidos no histórico afetivo de nossos pacientes ou em sequências de DNA. No entanto, as realidades de nosso trabalho não se enquadram nesse modelo e com frequência, vemo-nos improvisando à medida em que nós e nossos pacientes tropeçamos juntos na jornada rumo à recuperação. Eu costumava me abater com isso, mas agora, nos meus anos dourados, assobio baixinho para mim enquanto me maravilho com as complexidades e a imprevisibilidade do pensamento e da conduta humana". 

Em outro momento, faz outra declaração com a qual eu concordo 100%: 

"Durante minha formação como analista, muitas vezes achei as categorias oficiais de diagnóstico problemáticas. Em estudos de casos, muitos dos consultores discordavam do diagnóstico apropriado do paciente e acabei percebendo que as discordâncias geralmente advinham não de erros médicos, mas de problemas intrínsecos à atividade do diagnóstico. Durante minha gestão como chefe da enfermaria do Hospital de Stanford, eu dependia do diagnóstico para tomar decisões sobre o tratamento farmacológico mais eficaz. mas em meu consultório de psicoterapia, nos últimos 40 anos, com pacientes com transtornos menos graves, passei a julgar o processo diagnóstico irrelevante e a acreditar que as condições por que nós precisamos passar para atender às exigências de diagnósticos precisos dos planos de saúde são prejudiciais ao terapeuta e ao paciente. No procedimento diagnóstico, não somos fiéis a realidade. As categorias de diagnóstico são inventadas e arbitrárias, são produto do voto de comissões e passam por profundas revisões a cada década"

No epílogo, Yalom complementa esta declaração fazendo uma pertinente crítica às formações atuais em psicoterapia nos EUA, que privilegiam abordagens empiristas (como a Terapia Cognitivo-Comportamental) em detrimento de abordagens humanísticas. Apesar de ter como norte na minha prática clínica a TCC, não tenho como discordar de suas críticas. Diz Yalom: 

"A maioria dos cursos de treinamento atuais - geralmente sob pressão de conselhos ou planos de saúde - oferece instrução apenas para terapias breves 'de base empírica' que consistem de técnicas específicas abordando categorias de diagnósticos distintas, como depressão, transtornos alimentares, ataques de pânico, transtorno bipolar, vícios ou fobias específicas. Temo que o foco atual na educação acabe resultando em perder de vista a pessoa integral e que a abordagem humanística que usei com esses dez pacientes logo venha a se extinguir. Embora os estudos sobre a psicoterapia eficaz constantemente mostrem que o fator mais importante determinando o resultado é o relacionamento terapêutico, a textura, a criação e a evolução desse relacionamento, raramente são o foco de treinamento em cursos de graduação". 

Uma pena realmente, mas não se preocupe Dr. Yalom. O senhor pode não ter lá muitos anos pela frente (vai saber, né?) mas suas palavras ficarão e ainda inspirarão muitas pessoas - dentre as quais muitos psicólogos e psicoterapeutas. Embora a "abordagem humanística" a que o senhor se refere - ou seja, aquela que leva em conta o sujeito como um todo e não somente o seus (supostos) transtornos - venha perdendo cada vez mais terreno, sempre haverão, acredito, psicoterapeutas rebeldes que não aceitarão o papel de meros técnicos aplicadores de manuais de tratamento. Creio que o entendimento da terapia como um espaço de criação de uma relação autêntica entre terapeuta e paciente ainda terá lugar, mesmo em um mundo dominado por abordagens empiristas e farmacológicas. O motivo é simples: as pessoas precisam, assim como sempre precisaram e precisarão, de relações e trocas humanas autênticas. É por isso que mesmo diante de todas as possibilidades farmacológicas disponíveis atualmente, as pessoas ainda procuram psicólogos e psicanalistas para lidarem com seus problemas e dilemas.




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