Sobre exames objetivos para problemas subjetivos
Psicologia

Sobre exames objetivos para problemas subjetivos




Em Abril deste ano, o site da Superinteressante publicou a seguinte reportagem: "Cientistas criam exame de sangue para detectar depressão em jovens" (leia aqui). Segue um trecho:


Hoje, médicos e psiquiatras fazem o diagnóstico da depressão com base no relato dos pacientes sobre seus sintomas – o que é algo totalmente subjetivo, ainda mais porque às vezes a tristeza tem motivo (perda de um ente querido, fim de um casamento etc.) e nem sempre isso é levado em conta. Agora, pesquisadores da Northwestern University (EUA) desenvolveram uma opção que pode ser muito mais confiável: um exame de sangue capaz de diagnosticar a doença em adolescentes e diferenciar a depressão maior e a depressão maior combinada com ansiedade. O teste, desenvolvido ao longo de um período de mais de 10 anos, pôde identificar mais de 25 marcadores genéticos (mais precisamente, no RNA mensageiro) para a depressão com base em estudos com ratos gravemente deprimidos e ansiosos (pois é, os bichos também podem ter dessas). Estudos adicionais em seres humanos descobriram que muitos desses marcadores também são válidos para adolescentes humanos, e a combinação entre eles permitiu aos pesquisadores usarem o exame de sangue por si só para determinar com precisão quais dos voluntários estavam deprimidos e/ou ansiosos e quais estavam completamente sãos. Mas uma das autoras do estudo, a professora de psiquiatria Eva Redei, disse ao site FoxNews.com que o teste não deve eliminar as conversas entre o médico e o paciente para o diagnóstico. A ideia é servir apenas como um complemento. “O teste apenas ajuda a informar. Queremos dar aos pacientes deprimidos – e existem muitos – a mesma chance que nós estamos dando para quem sofre de diabetes, hipertensão e outras doenças para as quais existem exames”, explicou ela.

A despeito da descoberta de marcadores biológicos ser o sonho dourado da Psiquiatria moderna, não acredito que ela possa um dia vir à prescindir da subjetividade da clínica, se quiser continuar existindo. Afinal, a psiquiatria só existe ainda em função desta subjetividade. Historicamente, sempre que foram descobertos marcadores biológicos para problemas psiquiátricos, eles deixaram de pertencer ao escopo da Psiquiatria e migraram para outras especialidades, em especial a Neurologia. Ou seja, a Psiquiatria, como a Psicologia, só existe ainda em função desta "incômoda" subjetividade. Negá-la, buscando marcadores biológicos objetivos, é como dar um tiro no próprio pé. Na verdade, existem autores que afirmam que a Psiquiatria está com os dias contados. No futuro, dizem, existirão somente neurologistas e "neurocientistas clínicos". Afinal, se problemas "mentais" são, na verdade problemas "cerebrais", quem melhor do que neurologistas e neurocientistas para entendê-los e tratá-los? Desta forma, somente levando em conta esta subjetividade não objetificável - e, portanto, irredutível ao cérebro ou aos genes -, é que a Psiquiatria (do grego, "médico da alma"), poderá continuar existindo. De uma forma geral, minha visão sobre exames objetivos para diagnosticar problemas subjetivos é perfeitamente expressa por este cartum.
 Traduzido e adaptado por mim mesmo. O original pode ser visto aqui.



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