Definir ciência não é tão simples quanto parece. Vamos começar com um exercÃcio: pense em cinco palavras que lhe vêm à mente quando pensa em ciência.
Ernst Nagel levanta alguns aspectos da ciência, que, lembrando, podem ser alvo de crÃticas por outros autores. Optei por falar um pouco de suas idéias tanto por ser uma figura importante na filosofia da ciência do século XX, quanto por achar interessante essa diferenciação entre ciência e senso comum que faz. Em “A ciência e o senso comum†ele faz a seguinte constatação: ao longo da história humana, os homens adquiriram muitas informações sobre o meio ambiente. Descobriram o fogo, a produção de ferramentas, como cultivar o solo, como fabricar meios de transporte etc e etc. Então, a aquisição de conhecimentos sobre vários aspectos do mundo não começou exatamente com a ciência moderna. Sendo assim, se pergunta:
O próprio Nagel tenta responder à questão, mostrando o que a ciência teria de diferente do senso comum. O primeiro ponto, diz ele, é que a ciência busca encontrar explicações que sejam ao mesmo tempo sistemáticas e controláveis, e organiza e classifica o conhecimento sobre a base de princÃpios explicativos. Uma segunda caracterÃstica da ciência seria a preocupação com o âmbito de aplicação válido de suas proposições. O senso-comum seria adequado para as situações nas quais certo número de fatores permanece inalterado, ou seja, se alguns fatores mudam, o conhecimento já não se torna mais adequado. Na ciência isso também acontece, mas ela se preocupa com isso, delimitando exatamente o campo de aplicação de seus conhecimentos. Uma terceira caracterÃstica seria que o senso-comum é bastante contraditório, pois se preocupa quase que exclusivamente com as conseqüências imediatas dos acontecimentos observados. Já a ciência buscaria sistemas unificados de explicação, diminuindo as contradições.
Um quarto ponto é que as crenças do senso-comum podem sobreviver por muito tempo. Já alguns produtos da ciência tem vida curta. Isso porque os termos da linguagem comum são vagos e não especÃficos, enquanto os da ciência são precisos e especÃficos. Assim, os enunciados da ciência se tornam mais suscetÃveis a serem submetidos a crÃticas através da experiência. Afinal, como realizar o controle experimental das crenças do senso comum se não há precisão, e muita contradição? Elas acabam sobrevivendo por séculos. Quinto: a ciência deixa de lado os valores imediatos das coisas, parecendo que está distantes dos acontecimentos da vida cotidiana. Essa aparente “distância†da vida real seria um aspecto inevitável da busca por explicações sistemáticas e de longo alcance. O senso-comum se interessa por questões mais valorizadas pelo cotidiano. Por último, as conclusões da ciência, diferentemente do senso comum, são produto de um método cientÃfico. Isso não assegura a verdade de toda conclusão a que chega a ciência. O que o método cientÃfico permite é a crÃtica de argumentações, tanto no julgamento da confiabilidade dos procedimentos, como na avaliação da força demonstrativa dos elementos sobre os quais se baseiam as conclusões. Já as crenças do senso comum são aceitas habitualmente sem uma crÃtica dos elementos disponÃveis.
Li outro autor que me fez pensar bastante nessas questões: Fourez, no livro “A construção das ciênciasâ€. Como o livro inteiro trata disso, vou escolher alguns pontos que considero relevantes para comentar. Aliás, o livro é muito interessante justamente por dar uma noção bem humana do que seja ciência, desmistificando-a, tirando-a da “sociologia dos deuses†como fala o autor, e colocando-a no mundo real.
Para Fourez a ciência é uma feita por humanos, para os humanos e não cai do céu. O raciocÃnio cientÃfico é uma maneira socialmente reconhecida, e extremamente eficaz, ao que parece, de resolver nossas relações com o mundo. Ao contrário dos positivistas, o autor não acredita que a ciência chegue à verdade última das coisas, e nem que seja neutra e sobre-humana. “Onde o positivista diria ‘O mundo é assim’, Popper diria: ‘Nesta situação, parece-nos mais interessante representar o mundo desta maneira’ †(p.33). Para Fourez, dizer que a ciência é historicamente condicionada não é tampouco negar seu valor e eficácia.
Com relação à s caracterÃsticas da ciência moderna, Fourez fala que a ciência se quer experimental. Ou seja, só se aceitará como discurso cientÃfico aquele que seja a respeito do qual se possa eventualmente determinar uma situação em que o modelo poderia não funcionar. É o critério de falseabilidade, determinado por Popper. Os cientistas, então, rejeitariam os discursos que funcionariam para tudo. Aliás, “falseável†se refere não a algo falso, mas a algo que se pode dizer “não é automaticamente verdadeiro, isso pode ser testado e se revelado como falsoâ€.
A ciência não tem uma objetividade absoluta, pode-se falar em objetividade no sentido de que ela fala de coisas que se situam em um universo comum de percepção e de comunicação, convencional. O autor chama de ideologia a “observação fiel dos fatos†que ainda continua viva (ver meu primeiro texto desse blog). Os conceitos cientÃficos não são dados, e sim construÃdos.