Como lidamos com o sofrimento
Psicologia

Como lidamos com o sofrimento


Não, não darei 10 dicas de como acabar com o sofrimento. Se você conhece meu blog, sabe que não sou adepta desse tipo de coisa. Quero é pensar um pouco em como temos encarado o sofrimento. Acho que sei como começar. Certa vez estava eu em uma determinada aula, de uma professora X, que disse o seguinte: “Só com o sofrimento é que nós crescemos” e continuou a referida aula sustentando esse discurso.

Trata-se de uma noção corrente, bem popular, eu diria. E que, à primeira vista, não tem nada de errado, e até soa bonito. É algo bem legal de se dizer a alguém que está passando por maus bocados: “pelo menos isso vai te deixar mais forte, vai te fazer crescer...”. A minha primeira pergunta é o que significa ser mais forte e crescer. Já vimos em postagem anterior que um bom jeito de não se dizer nada ou de ludibriar alguém é não definir bem os termos, usar conceitos vagos. Vou tentar uma definição: vou considerar que ser mais forte e crescer é ter mais experiência de vida, saber lidar com mais situações, ter bagagem para enfrentar mais acontecimentos.

Se for esse o caso, porque só o sofrimento me permitiria isso? Não aprendemos também com a alegria? Com a raiva? Com o amor? Com a paixão? Com o medo? Com a ansiedade? Com a felicidade? Enfim, com toda a gama de emoções e sentimentos humanos?

Essa idéia de que só o sofrimento nos leva a crescer, para mim, tem duas raízes. Uma delas está em nossa própria psique ou mente, que são mecanismos de defesa e de diminuição de dissonância cognitiva. Vou explicar. Imagine uma mãe cujo filho é brutalmente assassinado pela violência urbana. Essa mãe sofre. Para acalmar a si mesma ou para os outros a acalmarem, seria bom pensar que pelo menos esse sofrimento vai levar a alguma coisa, vai me deixar mais forte, vai me fazer crescer. A situação é tão desoladora que temos que achar algo de bom nela, daí falamos que sofrer tem uma grande utilidade.

A segunda raiz está nas religiões. Achar um porque para as coisas é uma especialidade das crenças religiosas. Por que nós, perfeitos cristãos, sofremos tanto? Deve ter um porque, claro, se não seria injusto (e o mundo não é nada injusto para as religiões). Claro que, como Deus pensa em tudo e nada é por acaso, o sofrimento por qual você está passando é uma provação. Vai te fazer ser ainda mais religioso, vai te fazer prestar mais atenção em seus pecados, assim, vai te fazer bem. “Paulo afirma que o sofrimento é um meio que Deus usa para aperfeiçoar o caráter dos cristãos”; “Quando você estiver sofrendo pelas mais variadas razões, lembre-se de que você não é um desafortunado, mas um amado de Deus. Os sofrimentos pelos quais você tem passado são maneiras belamente estranhas de Deus fazer bem à sua vida”; “É Deus que nos capacita para confortar no sofrimento de outros – O sofrimento é uma excelente escola, onde aprendemos a consolar e confortar as pessoas da mesma maneira como Deus o faz” (trechos pegos em sites religiosos).

Quem fica feliz com essa bobagem toda são líderes políticos, afinal, para quê se revoltar contra a pobreza, miséria, violência, desigualdade social, se tudo está aí porque tem um motivo? Você que está passando fome, cujo filho morreu assassinado, que leva três horas para chegar ao seu local de trabalho, cuja casa foi levada pela enchente, cujo salário é roubado em forma de impostos, não se revolte, afinal seu sofrimento te faz bem. E nada é por acaso, tudo é destino. Logo, se você está tendo que enfrentar isso, é porque mereceu, seja nessa vida ou na outra você fez muita besteira e agora deve pagar por isso. Com seu sofrimento, você vai crescer, aprender, e se livrar do karma, dívida ou algo que o valha, e receber sua merecida recompensa depois da morte (porque em vida, nem pense!).

E como esse discurso fraco, mas ao mesmo tempo sedutor tem nos enganado...

Voltemos ao exemplo da mãe cujo filho foi brutalmente assassinado. Sim, eu até acho que pode ser importante ela pensar que o sofrimento a fará crescer, afinal, é mais uma experiência de vida, por terrível que seja, e pensar assim pode confortá-la por um momento. O que eu discordo totalmente é de que o filho dela tinha que morrer para ela crescer, ou que ele veio para isso (sua missão na Terra), e que ela considere que só o sofrimento a levará ao tal crescimento. Não, eu não acho que ninguém se torna melhor por ter seu filho assassinado ou por sofrer o diabo na vida. Essa é uma maneira de pensar que nos ajuda a lidar com as injustiças, dando sentido a elas. Porém isso faz com que a realidade seja distorcida. O fato é que o filho dela foi assassinado e isso não tinha que acontecer!
Ele foi assassinado porque existem pessoas muito ruins, porque falta policiamento, porque nosso país tem uma desigualdade social avalassaladora que permite que o crime floresça etc e etc. Dizer que tinha que acontecer é se enganar e se dopar frente a realidade. Ontem mesmo quando via televisão escutei um entrevistado dizer: “A menina (que foi jogada do sexto andar de um prédio e morreu) veio para nos dar a lição do amor”. Essa pessoa vive no mundo da fantasia e dos duendes felizes – porque no meu mundo, a menina foi vítima de uma grande maldade, que poderia e não deveria ter ocorrido.

Discordando do que “só o sofrimento nos faz crescer” não quero cair para o lado oposto de que nunca deveríamos sofrer. Até porque a venda de antidepressivos tem estourado e os psiquiatras os receitam até para unha encravada. Todas as experiências humanas são válidas, evitar o sofrimento a qualquer custo pode não ser nada bom, ele faz parte de um processo humano, como no luto, por exemplo. Eu só não acho que precisemos sofrer para crescer. Até porque essa idéia levada ao extremo faria com que ficássemos jejuando, nos batendo com instrumentos dolorosos, pensando repetidamente das desgraças da vida.... hum, isso não me é tão estranho...
Um apoio da neurociência para essa discussão:
" Prazer faz bem - Temos no cérebro uma estrutura de cerca de 1 cm de diâmetro chamada de Núcleo Accumbens, com poderes particularmente interessantes: ela nos permite sentir prazer. Quanto mais intensa for a sua ativação, maior é a sensação alcançada, que vai da leve sensação à franca euforia. Ativar esse processo é algo simples e ao nosso alcance, que podemos fazer várias vezes ao dia. Basta fazer algo que o cérebro considere que deu certo: resolver mentalmente um problema, concluir um trabalho, passar de fase no video game, beijar pessoas amadas, comer algo que gostamos ou ouvir boa música. Ao reconhecer que fomos bem sucedidos em algo, que atendemos às expectativas, ou admitimos que somos interessantes por alguma razão, o córtex cerebral providencia uma dose de dopamina para o núcleo accumbens, quanto mais o núcleo recebe esse neurotransmissor, mais prazer nos proporciona. Os mecanismos que promovem essa sensação, porém, ainda são um mistério para a ciência. Este prazer com o que fazemos corretamente - proporcionado pelo accumbens e estruturas associadas a ele, que formam o sistema de recompensa do cérebro - é a base neurológica da satisfação e a auto-estima. A motivação, que nos impulsiona às mais diversas realizações, quando o sistema de recompensa é precocemente ativado, antevemos um resultado positivo. O otimismo funciona de maneira semelhante: ter atitude e expectativas positivas em relação à vida, favorece a ativação antecipada do sistema de recompensa, aumenta a satisfação com os feitos alcançados, suas chances de fazer algo dar certo, faz você lidar melhor com situações negativas e até melhora a resistência a doenças."
Fonte: revista Mente & Cérebro, setembro de 2008. "De bem com seu cérebro", por Suzana Herculano.



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