"Meu primeiro Viagra" e as lifestile drugs
Psicologia

"Meu primeiro Viagra" e as lifestile drugs



Assisti esta semana no GNT um excelente documentário holandês chamado "Meu primeiro Viagra" (em inglês Erectionman, 2009), do diretor, Michael Schaap. Este filme é uma espécie de versão masculina do ótimo "Indústria do orgasmo" (Orgasm.Inc, 2009), documentário igualmente crítico à indústria farmacêutica - e disponível legendado aqui. Não encontrei nenhum link para assistí-lo ou baixá-lo na íntegra. Se alguém encontrar, pelo menos legendado em inglês, me dê um toque. 

Segundo o site do GNT, "o diretor do documentário é um holandês de 40 anos que decide experimentar pílulas como o Viagra. Ele faz uma investigação sobre o surgimento da disfunção erétil como doença e o lançamento do Viagra em 1998". Mais correto seria afirmar que o diretor investiga não o surgimento, mas a construção do diagnóstico de disfunção erétil, que gradualmente substituiu o pesado rótulo de "impotência". O filme expõe as táticas dos laboratórios farmacêuticos (em especial da Pfizer, fabricante do Viagra) para ampliar o mercado consumidor da droga. Inicialmente - e formalmente - recomendado para pessoas mais velhas e com sérias dificuldade de ereção, o Viagra passou, aos poucos, a ser utilizado por qualquer um que quisesse potencializar sua atividade sexual, inclusive por jovens sem qualquer dificuldade. Schaap expõe como as propagandas voltadas para o público leigo evidenciam esta mudança de foco, do tratamento de um "transtorno" para a promoção da "qualidade de vida".

O antropólogo Rogério Azize, em sua dissertação de mestrado "Química da qualidade de vida: um olhar antropológico sobre o uso de medicamentos e saúde em classes médias e urbanas brasileiras" (leia na íntegra aqui), analisa justamente o uso das chamadas "lifestile drugs" ou "medicamentos do estilo de vida" (categoria que inclui drogas como o Viagra, o Xenical e o Prozac). Segundo Azize, atualmente, "percebe-se uma noção de saúde que já não mais ocupa o posto de contrário à idéia de doença; e uma noção de qualidade de vida que se tornou uma espécie de chave-mágica da sociedade contemporânea, uma palavra-chave que pode justificar mudanças no cotidiano, consumo, novos hábitos e mudanças marcantes no estilo de vida. Se uma ação qualquer vai trazer ao seu agente mais qualidade de vida, então esta ação é socialmente justificável; apesar da categoria apresentar um significado nebuloso, seu reconhecimento é imediato na cultura de classe média urbana e o seu uso é bastante freqüente" (fonte). 

Este cenário, descrito por ele, faz parte de um processo social mais amplo chamado por alguns autores de medicalização da vida (ou da sociedade), no qual questões não-médicas passam a ser tratadas como problemas médicos. Com isso, problemas comuns da vida passam a ser encarados como transtornos ou doenças e, consequentemente, medicados. No entanto, a medicalização envolve não somente o tratamento de supostos transtornos, mas também o aprimoramento das capacidades individuais. Por exemplo, é crescente a utilização por universitários e concurseiros de metilfenidato (mais conhecido por seu nome comercial: Ritalina), visando não o "tratamento" do TDAH, mas o aperfeiçoamento das capacidades de concentração e memória - muito embora não haja comprovações quanto a isto. De forma semelhante, é comum o uso de drogas como o Viagra por pessoas que não precisam, mas que se sentem seguras ao fazer uso. E isto acaba gerando uma espécie de dependência psicológica da droga, questão também explorada por Schaap. Bom, fica a dica deste ótimo e divertido documentário. Como aperitivo, compartilho abaixo os primeiros cinco minutos, com legendas em inglês.




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